SANTA TEREZA
- Apressa
menina, senão vamos chegar atrasados! – Gritou Dona Francisca para sua filha Tereza.
A garota estava ansiosa e nervosa. Este dia era esperado
há muito tempo. De família extremamente religiosa ela tinha um sonho: se
confessar com Frei Damião – o santo milagreiro do povo nordestino.
A década de sessenta tinha sido difícil para os
nordestinos: estradas precárias, falta de energia em quase todos os lugares,
meios de transportes escassos, falta d’água nos sertões secos... Este quadro
foi diversas vezes bem retratado nas poesias de Renato Caldas, Sinhazinha
Wanderley, Francisco Amorim, Chico Traíra e tantas outras feras da literatura
poética que habitaram a região do Vale do Açu.
A pequena comunidade de Juazeiro, onde residia à família de Dona Francisca ficou
praticamente desabitada. Até o velho Lourenço que estava acometido de um forte
reumatismo viajou para a cidade do Assú numa carroça para participar da missão
de Frei Damião e Frei Fernando, dois frades pertencentes à Ordem dos
Capuchinhos que percorriam as cidades da região Nordeste, como andarilhos das estradas afora, a levarem para as pessoas a
mensagem do evangelho com muito radicalismo e muita fidelidade aos ensinamentos
bíblicos.
Quando a família de Tereza chegou defronte a Matriz de
São João Batista a luz solar já começava a desaparecer no horizonte. A multidão
se comprimia para tocar em Frei Damião na sua “procissão de penitência” da casa
paroquial à Igreja passando lentamente entre os fiéis.
Era a última missa do dia. Dela participaria certamente o
maior número de católicos. Em decorrência do atraso toda família de Tereza teve
de ficar em pé. A celebração começou pontualmente às dezoito horas.
- “No inferno
o calor é bilhões de vezes pior que no Nordeste. As labaredas sobem e queimam
sem parar o corpo dos adúlteros, das prostitutas, dos afeminados e dos
criminosos...” - Disse o Frei na abertura de sua homilia com a voz rouca, quase
inaudível.
Depois da pregação foi formada uma fila quilométrica para
confissões. Sentado num tamborete de madeira o frade capuchinho escutava cada
devoto com muita atenção, olho no olho, o cotovelo no joelho e a mão no queixo
apoiando a cabeça. Desta posição quase não se mexia, vez por outra parava por
alguns segundos para tomar um golinho de café bem forte. Afinal precisava de
resistência para adentrar até altas horas da noite.
Tereza estava na fila acompanhada pelos seus pais. Estava
nervosa... Era a primeira vez que iria
se encontrar com Frei Damião. Não bastasse, estava ali com o privilégio de se
confessar com ele. Tinha plena certeza de que aquele momento marcaria sua vida,
realizaria um sonho, fortaleceria sua fé no catolicismo e a devoção pelo “Santo Milagreiro do Sertão”.
A fila andava
lentamente. Quando Tereza conseguiu chegar à porta principal da Matriz fez o
sinal da cruz, dobrou-se num gesto de respeito e adoração ao Santíssimo.
Verificou seu vestido branco de cambraia bordada para ter a certeza de que ele
estava bem composto... Ajeitou a mantilha na cabeça, segurou com as duas mãos o
terço e começou a rezar incessantemente. Suas feições eram como se estivesse
caminhando rumo ao céu. Vez por outra era interrompida pelos cochichos da mãe
que estava por atrás.
- Cuidado com
o que vai dizer minha filha. Não quero que Frei Damião lhe passe nenhum
castigo. Ele é um santo...
- Pode deixar
mamãe, eu vou tomar muito cuidado.
O pai de Tereza vendo que a mãe
estava exagerando tentou aliviar a pressão.
- Francisca
deixe a menina em paz! Vai dar tudo certo. Afinal Tereza já tem 14 anos. Está
bem grandinha sabe se pecou ou não.
Mesmo a contragosto a mãe se
comportou melhor. Já passava das oito da noite quando chegou o momento crucial.
Tereza chegou perante o capuchinho curvou-se, fez o sinal da cruz e
ajoelhou-se. Ela tinha a certeza de que estava ali diante de um homem
diferente... De alma pura. Frei Damião a
encarou e ela na sua ingênua timidez baixou a vista.
- Conte seus
pecados minha filha... – Falou pausadamente o Frei.
Tereza ficou calada. Olhou para ele como que pedindo
socorro. O nervosismo era tanto que as palavras não chegavam nem a serem
balbuciadas.
- Está
nervosa, menina? Calma! Vou lhe ajudar. Tudo que eu perguntar você vai dizendo
se fez ou não. Já desejou mal ao próximo?
- Não senhor.
Deus me livre!
- Já
desrespeitou pai e mãe?
- Ave Maria...
Deus me defenda!
- Já levantou
falso testemunho?
- Nunca! Deus
me guarde!
- Já sentiu
inveja de alguém?
- Jamais! Deus
me castigue se isso acontecer.
Frei Damião olhando cara a
cara para a adolescente mais uma vez perguntou:
- Qual seu
nome minha filha?
- Maria Tereza
da Silva –
Respondeu Tereza com voz trêmula, instante em que Frei Damião lhe anunciou a
penalidade:
- Faça o seguinte minha filha: se levante, procure um altar aqui na
Igreja e fique lá... Santa Tereza!
Livro: Dez Contos & Cem Causos
Autor: Ivan Pinheiro
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