ASSÚ DE OUTRORA
Encontrei num recorte do Jornal de Fato, (não tinha data, acredito que de 2010), na coluna Outras Palavras - do jornalista José Nicodemos -, uma crônica contando um pouco da vida na Várzea do Assú nos idos de setenta para oitenta, quando o então jovem areia-branquense, residente em Mossoró, José Nicodemos, vinha passar finais de semana ou períodos de férias na comunidade rural de Santo Antonio. Vejam a crônica:
"Ainda resta um pedaço de carnaubal no vale do Assú, digo um pedaço porque ainda alcancei o carnaubal um estirão verde a se perder de vista vale a dentro. Mas, se não me engano, tudo indica que a tendência é desaparecer por completo, se a carnaubeira não fosse um símbolo não só da 'terra dos poetas', mas de toda a região. Um símbolo telúrico.
Até uns vinte e tantos anos atrás (quem disse que está errado?) eu costumava passar dias em Santatônio, ali no vale, na casa de um amigo e parente afim, de férias do emprego. Ainda tinha carnaubal muito, mas diziam os moradores antigos que já não era como antes, nem a metade. Imagino como não será hoje, duas décadas mais tarde, quase três. Carnaubeiras esparsas.
Tinha um morador da casa que me hospedava, e que era chamado de Nego Veio, já ali pegando os noventa, com quem eu gostava de conversar, debaixo do alpendre, depois do banho no rio, que tinha uns duzentos metros da casa. O olhar baço perdido além do carnaubal, ele me contava muitas coisas do tempo em que o carnaubal “não tinha fim”, cobrindo aquele mundo afora.
Tinha muita ema, e de madrugadinha “era aquela zoada dentro do carnaubal”. Já não se encontrava mais uma. Caça? Veados e porcos do mato, pebas e tatus amanheciam comendo na beira dos terreiros que nem bichos de casa. Acabou-se tudo, dizia ele, lembrando que era um tempo de fartura do que comer, ali no vale. Era de ver a fartura nas feiras, “peixe de fazer lama”. De inverno a verão.
Por aí assim, fico-me a pensar no grande mal que o homem, em nome de tudo e de nada, tem causado à sobrevivência no futuro, que se anuncia tão perto. E os governantes – não é comigo, devem pensar assim. De modo que segue, de vento à popa, a destruição da natureza, sem preocupação nenhuma com a vida para as gerações vindouras. Na verdade, o homem é o grande mal do mundo".
Quem teve oportunidade de viver (em épocas áureas dos carnaubais na várzea do Assú) pode confirmar a fartura que o cronista José Nicodemos relata. O Assú, de maneira especial a Várzea, sempre foi uma terra rica, de muita fartura, tanto na área agrícola quanto na pecuária. A realidade hoje é diferente. Infelizmente.
Ilustração: Capa do livro de Manoel Rodrigues de Melo - Coleção Potiguariana.