Em Frutilândia o poeta Caldas criava, plantava fruteiras, idealizava gigantescos projetos de fruticultura, hoje uma realidade concreta na região do Assu. Ele dizia que a redenção do Nordeste seria o cultivo do cajueiro.
Frutilândia era o canto do silêncio único proclamado do poeta, no seu próprio dizer. Em homenagem ao seu sítio escreveu o telúrico poema conforme transcrito adiante:
Como essa manhã me acorda com os passarinhos.
Que matinal de árvores de pássaros!...
Pinga o orvalho das folhas como pérolas trêmulas, molhadas,
Cardeiros à distância e perto a cerca fulva do cercado...
No terreiro da casa, as galinhas ciscando...
Um pio de nambu é remoto à distância...
Ouço e vejo lá fora... há como que em mim um anseio louco de embriagado...
Vontade de correr, rondar, ser como um pequeno cabrito a saltar pelo relvado...
O milho verde, a subir, a cana grossa, o espigar das bonecas...
O louro-roxo do cabelo aqui e ali pelos ventos agitado...
Parado... o ar aqui agora um ar parado...
Nem um grilo a trilar, nem um mover de folhas...
Saio... acendo o cigarro... as mãos trêmulas de gozo...
Isso que aqui plantei, que as minhas mãos cavaram...
Cajueiros aos cem, azeitonas, mangueiras...
Ah! Se eu tivesse na vida como aqui sempre plantado.
E vejo, no crescer, pequena, a laranjeira
Tão verde no buraco fundo que lhe foi cavado...
A minha laranjeira! A minha laranjeira!
Os frutos que dará, encantando o cercado...
Meu rancho ali, os poetas na biqueira....
Pobreza assim riqueza só... um dia
Repousarei em mim essa pobre cabeça de cansado...
Lembrarei os meus versos, direi versos para mim e para o céu estrelado...
A noiva que não tive... e recordo sem mágoa
Aquela que passou, culpa de mim somente...
Vão em cortejo ao olhar do meu pensamento sombras vagas...
Arina... um filho pela mão... lá atravessa seu filho...
E os filhos que não tive, as almas, culpa de mim que não vingaram...
Basta... volto-me ao sítio do meu silêncio único proclamado...
É a música de tudo em tudo que de mim, na sua essência...
O sol... o sol dessa manhã é agora todo o meu cuidado...
E o sol... a ânsia talvez de pelo sol perder-me.
E já não ser... ou ser tudo aquele mundo todo nas raízes...
As árvores que quero ver, as pequeninas plantas que quero ver dos seus pequeninos berços elevadas...
E olho-as... as minhas crianças verdes, as minhas pequenas romãzeiras enramadas...
O cigarro se apaga, a fumaça não sobe...
Vamos entrar o rancho, agitar gravetos, fazer o fogo...
E brinquedo, o meu cão, que aqui por esse andar me tem sempre acompanhado.
Olhos aos olhos do cão... não, Brinquedo que nem sempre me tem mesmo acompanhado...
Luiz Rabelo em homenagem ao poeta de Frutilândia escreveu um poema em prosa publicado em O Poti, 4.5.1958, bem como na antologia póstuma de Caldas organizada por Celso da Silveira intitulada Poética, Fundação José Augusto, 1965, que veremos para o nosso bem estar:
Vou-me embora pra Frutilândia. Lá sou amigo do Poeta. É melhor ser amigo do poeta do que ser amigo do Rei. Lá é que existe um "emaranhado de verde" e de pétalas macias e florescem, todos os dias, no seu tapete de relvas, rosas puras como a alegria transluminosas de orvalho. As dálias do seu pomar são alvas, do alvor do luar. Frutilândia é uma terra de aurora branca, de névoa sutil, onde a Poesia, eterna, mora. O seu nome lembra um País mais belo e mais vasto do que Pasárgada, mais cheio de entardeceres do que o asteroide do "Pequeno Príncipe", de Exupére, mais puro do que o "Cântico da Vinha", de Claudel, e do poema "A Palma", de Valéry. Há, nas suas árvores frutos apetitíveis, e, constantemente, um rodopio de asas de borboletas muito amigas. Lá é o reino encantado das cigarras, sem Lá Fontaine e sem formigas. No centro do roseiral, há uma rosa mais vermelha do que a rosa feita de sangue do rouxinol de Wilde. Lá é que está o coração do Poeta. Para se ir ao centro do pomar, todo caminho é de se caminhar. Frutiândia é uma terra de aurora, branca, de névoa sutil, onde a Poesia eterna, mora. Vou-me embora pra Frutilândia.
(Em tempo: Frutilândia é nome de um populoso bairro da cidade de Assu que Ronaldo Soares ajudou a construir quando prefeito daquela terra assuense (1983-88) e por ele denominado de Frutilândia, uma homenagem ao poeta João Lins Caldas falecido 1967. Fica o registro).
Postado por: Fernando Caldas