segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

REMINISCÊNCIAS

 
MARTHA WANDERLEY SALEM
(29/08/1911 - 28/08/2009)

Martha de Sá Leitão Wanderley. Assim se chamava a menina que nasceu numa terça-feira, 29 de agosto de 1911, no vilarejo do Açu, sertão do Rio Grande do Norte, filha de Minervino Wanderley e Carlota de Sá Leitão Wanderley.

Já na infância, Martha mostrava seu espírito através da doçura do olhar e o sorriso franco. Inquieta e simpática encantava a todos, o que deixava os pais com a certeza de que daquela diminuta criatura muita coisa boa viria. Martha ficou como filha única até seus doze anos, quando nasceu sua única irmã, Bertha de Sá Leitão Wanderley, em 11 de dezembro de 1923.

Martha começou a ter as suas primeiras aulas no Colégio Nossa Senhora das Vitórias, administrado por religiosas austríacas, que logo descobriram naquela menina um grande desejo de aprender. Tamanha avidez por conhecimento ficou evidenciada nos bancos escolares, quando fez parte da primeira turma de alunas do tradicional Colégio, trazendo na precoce bagagem o aprendizado de três idiomas, o alemão, o inglês e o francês.

Moça de muitos dotes, encontrou no comerciante Emílio Salem Dieb, de descendência árabe, o seu amor, casando-se em 17 de dezembro de 1938, passando a chamar-se Martha Wanderley Salem. Após suas núpcias, fixou residência em Mossoró, local no qual Emílio tinha negócios. Ficou até 1947, quando passou a residir em Natal, na Ribeira, numa bela casa ao lado da praça que hoje leva seu nome: Praça das Mães Professora Martha Salem. Morou também na Rua Princesa Isabel, Trairi, Rodrigues Alves, Coronel Estevam e Praça Marechal Deodoro. Teve seis filhos: Emilio Filho (falecido), Marta Maria, Caio, Margarida, Elizabeth (falecida) e Minervino.

Em meados da década de 1950, Emílio começou a ter sérios problemas coronarianos. Ela, como era do seu feitio, ficou ao lado do seu amado até sua partida, em dezembro de 1960.

Começava, então, uma nova era para Martha. Com seis filhos, o mais velho, Emílio, com vinte anos, ela tomou as rédeas da casa e, para colocar comida para os filhos e mantê-los em bons colégios, passou a dar aulas de pintura. Sua veia artística se destacava a cada pincelada. As alunas se fascinavam e, logo, formou uma grande turma que se transformou em um enorme grupo de inseparáveis amigas.

E assim, Martha foi tocando a vida. A casa sempre cheia de amigos. Fossem dela ou dos filhos, formavam uma turma grande, unida e, inspirados por ela, sempre dispostos a praticar o bem. Sua alegria e disposição para a vida, refletida nos gestos, cada vez arrebanhava mais admiradores. E nesse misto de esforço e prazer, Martha formou os filhos para vida.

Tinha cumprido seu dever de esposa e de mãe. Mas a história de Martha não ficaria por aí. Muita coisa ainda estava por vir. Martha mostrava que, além de sua enorme bondade, simpatia contagiante e do seu espírito solidário, era uma apaixonada pela vida.

Nesse momento, já sem a obrigação de angariar fundos para a manutenção da casa e dos filhos, iniciou uma atividade singular: com receio de esquecer os idiomas aprendidos, já que, naquela época, não era comum encontrar pessoas poliglotas, ela resolveu dar aulas de línguas de forma gratuita. “Eu não esqueço e as pessoas aprendem”, justificava.

Em 1980, em meio a essa nova missão, Martha sofreu dois grandes abalos com as mortes de dois filhos, Elizabeth, em janeiro, e Emilio Filho, em novembro. Parecia que o mundo desabava sobre Martha. Porém, sua fibra falou mais alto e ela se reergueu. Concentrou-se nas artes e, contando com a ajuda do seu inumerável grupo de amigos, retomou o prazer pela vida. Os percalços serviram de molas para que ela saltasse à frente e, mais uma vez, olhasse a vida de forma serena e com perspectivas. Era de uma força admirável!

Com o tempo, ficou evidenciado que sua grande paixão era o alemão. Estudou o país e especializou-se naquele idioma. Para que se possa ter ideia do seu conhecimento, passou a ensinar português a alemães que por aqui passaram. Essa troca de experiências culturais tomou conta de muitas conversas entre intelectuais e culminou com a publicação de inúmeras reportagens nas diversas mídias, tanto daqui, quanto da Alemanha. Para coroar essa estreita relação, o governo alemão, num gesto de reconhecimento, condecorou-a com uma comenda pelos serviços que prestou na difusão da cultura daquele país. Paralelo a isso, foi-lhe concedido o título de Cidadã Natalense pela Câmara Municipal.

Foi uma vida marcada pelos mais puros sentimentos. Uma mulher digna, honrada, querida, solidária, amiga, cúmplice, irmã, filha, esposa e mãe sem igual. O Rio Grande do norte precisa de mais pessoas da estirpe de Martha Wanderley Salem.

Abaixo, alguns depoimentos de amigos.

Ignez Motta:

“Falar sobre Martha é muito difícil. Não só pela importância que ela teve na minha vida, mas pelo que ela representou para várias gerações. Foi uma amiga singular, confidente, uma professora da vida. Uma mãe na mais sublime definição. Aprendi muito da vida com ela. As lembranças ainda são vivas nos meus pensamentos. Obrigado, querida!”

Maria Luísa Medeiros:

[…] Não sou afeita a homenagem póstuma, mas, no caso de Dona Martha, é necessária. Seu estilo de vida precisa sempre ser lembrado. Quando pessoas como ela se vão, nossa responsabilidade aumenta.[...]

[...] Tenho em minha casa uma recordação, um presente, uma joia. Meu quadro favorito de Renoir pintado por suas mãos: "La Première Sortie" ou "A Primeira Saída", de 1876. O original está em Londres, mas o de Dona Martha está sempre comigo. [...]

[...] Agora que termino esse texto, 15h47, toca na rádio universitária "Eduardo e Mônica", de Renato Russo, música que também me motivou a estudar alemão. Descanse em paz, Dona Martha. Você fez muito. Agora é com a gente, seus alunos.[...]

Franklin Jorge:

[…] Martha Wanderley Salém, assuense de velha estirpe, prima em segundo grau da Baronesa de Serra Branca, D. Belisária, primeira grande proprietária rural potiguar a libertar seus escravos e a recepcioná-los com um jantar em que, vestida de touca e avental, os serviu solenemente da mesma maneira como se acostumara a ser servida.[...]

[…] Ainda menina, o pai a levou para conhecer a prima baronesa em seu solar, atualmente a Casa de Cultura do Assu. Uns setenta anos depois, D. Martha me contava que ficara decepcionada, pois esperava encontrar uma grande personagem, luxuosamente vestida e coberta de joias, cercada de serviçais, e deparara com uma mulher simples, falando pouco e baixo, curiosa acerca dos familiares, modestamente vestida… Era D. Belisária uma dama ascética e piedosa, sendo o seu único luxo a carruagem puxada por duas imponentes parelhas de cavalos puro sangue que a transportava do Assu aos seus domínios de Serra Branca, em Santana do Matos. Dona Martha a descrevia como uma mulher “quase sem carnes, chochinha e sem graça…”[...]

Woden Madruga:

“Neste 29 de agosto de 2008 a professora Martha Wanderley Salem está fazendo 97 anos de idade. Beleza! Artista plástica, ensinou pintura e línguas, incluindo nesse cabedal o alemão. Recebeu comenda do governo da Alemanha pelos serviços que prestou na difusão da cultura daquele país. Viúva de Emílio Salem Dieb, dona Martha teve seis filhos: o sempre saudoso Emílio Salem Filho, médico, Martha Maria, Caio Salem, médico, Margarida, Elizabeth (falecida) e Minervino Wanderley, jornalista. Fazem um dos melhores quadros da paisagem natalense.”

Minervino Wanderley Neto
Natal(RN), maio de 2013

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