sábado, 11 de janeiro de 2014

CRÔNICA

CHEIRO DE JASMIM

Maria do Perpétuo Wanderley de Castro

Entardece. Uma cortina dourada cobre os telhados de casarões e um sopro de vento afaga suas paredes. Sigo na Rua das Flores e em velho prédio vejo no alto da parede os jacarés metálicos que escancaram as bocas na espera das primeiras chuvas para a derramarem sobre a calçada incerta. Estou em um cenário em que o passado chama o presente para a fala de outros momentos e traçados urbanos e que reclama atento diálogo. 

Centro da cidade do Assú que, sertaneja, se ergue às margens do rio. Esta não é a antiga rua principal, coração da vida comunitária. Mas, na cidade, os casarões se erguem aqui e acolá, assinalando passagens e pessoas. Estendo meus passos e me encontro diante de uma fieira de azulejos na parte inferior da alta fachada e ao lado uma escadaria que em seu término conduz à sala principal de outro casarão. Dali, nas janelas com sacadas debruça-se a vida sobre os passantes, querendo saber dos acontecimentos, noivados e casamentos, vida e morte que se repetem em todos os tempos, mudando as feições, mas sempre nas notas dos encontros e partidas dos seres humanos. 

À sacada, alongo meu olhar, que vai do enternecimento por aquele passado retido em trechos de livros ou versos de um poema a este momento em que os casarões parecem apenas ecos de velhas estórias e de um tempo manso. Breve impressão que se desfaz com o eco do chamado peremptório de pessoas que amam a cidade. Esta rua hoje é a Rua Prefeito Manoel Montenegro, que, nos idos de 1940, dedicou seu trabalho a seus cidadãos e a esta cidade. Ele morou nesta rua. Nesta mesma rua também moraram o chefe político Dr. Pedro Amorim, o médico Dr. Ezequiel Fonseca. E, ao lembrar o antigo médico, vem à memória Dr. Luiz Carlos, primeiro médico potiguar que teve consultório logo ali, na rua da frente, à Praça onde se ergue o Sobrado da Baronesa.

Meu olhar vaga sobre a praça e meu pensamento divaga sobre os casarões. A Igreja matriz de São João Batista: em redor dela, outros casarões. Alguns estão próximos, outros mais distantes. Alguns, ainda à contemplação. Outros, entregues à reminiscência, porque o tempo apressado pelo novo os substituiu por outras construções que abrigam pessoas mas não guardam estórias.

Os velhos casarões têm impregnados em suas paredes os murmúrios de uma vida contemplativa e com interiorização dos valores. Onde estão os construtores e os proprietários desses casarões? Na reforma da Igreja Matriz, em dias recentes, vi uma velha telha retirada do telhado gasto; nela, o trabalhador engastara a data, como precioso registro de seu trabalho e de sua existência na cidade.

A presença dos casarões no Assú fala sobre uma vocação para a eternidade, desejo mais profundo do ser humano. Cada casarão, entre os que estão esparsos no ambiente urbano, guarda traços do passado mas não demitem de ter um papel atual. Eles são continuidade. Eles são marcos de perenidade que afirmam um compromisso efetivo com a cidade. No mundo líquido de que nos fala Bauman eles trazem a solidez de um tempo de ser, construindo-se constantemente em valores humanos.

Assim guardam-se os casarões do Assú. Acentuam, acolá no sobrado de Sebastião ou na casa de traçado rural de Migas Fonseca, ali no sobrado da Baronesa que se debruça sobre a praça ou no casarão Amorim o signo da cidade.

No oitão de alguns deles ainda florescem jasmins. O cheiro doce e suave fica em minha lembrança enquanto meus olhos percorrem amorosamente esses casarões e os ouço sussurrarem suas estórias e o eco de velhas figuras da cidade do Assú. Ver os casarões é rever traços de uma época e, nela, a identidade assuense. 

Crônica publicada na PRINCESA EM REVISTA – Ano II – nº 02 – Pag. 28/29 – Dez /2013.
Fotos: Sobrado de Vera Borges - Magno Marques / Sobrado da Baronesa - Jean Lopes. 

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