segunda-feira, 7 de outubro de 2013

CULTURA

O renascimento de um artista

DEPOIS DE UM RECESSO DE 15 ANOS, ASSIS MARINHO VOLTA A EXPOR; AS TELAS FORAM PINTADAS DURANTE A ÚLTIMA INTERNAÇÃO NUMA CLÍNICA DE REABILITAÇÃO

HENRIQUE ARRUDA - DO NOVO JORNAL

Década de 60. A família estava na estrada havia semanas. Partindo de Cubati, na Paraíba, tinha como destino São João do Sabugi, interior do Rio Grande do Norte. O sol nem teria castigado tanto assim se não fosse pelo fato de que o trajeto estava sendo feito a pé, uma distância de 95 km. O calor era tão intenso que o pequeno Assis Marinho chegou a pensar que aquele ponto luminoso lá no alto fosse, na verdade, uma bola feita de ouro.
Foto: Fábio Cortez/NJ.
Fábio Cortez/NJ
Assis Marinho: trajetória pessoal e artística marcada por situações dramáticas que lhe servem de inspiração
“Lembro de acordar e sair seguindo o sol, tentando pegar um pedaço dele para ajudar não somente minha família, mas também muitas pessoas ainda mais pobres que a gente ia encontrando”, disse o pintor. Na época, aos 5 anos, ele já registrava pelas pedras da estrada, com carvão, o sofrimento que observava no olhar das pessoas, dentro daquele cenário, acima de tudo, quente e esfomeado.

Hoje, aos 53, o menino da bola de ouro já substituiu o carvão pelos pincéis, alcançou o status de artista plástico renomado na cidade e reconhece que o tempo agora é de “renascer”. As Fases de Assis é o nome de sua nova exposição, a primeira em 15 anos, em cartaz na galeria Conviv’art, no Centro de Convivência da UFRN. As 40 telas inéditas foram pintadas durante os últimos seis meses, enquanto esteve internado em uma clínica de reabilitação em Nísia Floresta para se libertar da dependência química.

O artista relembra sua história, em certos momentos tropeçando na voz embargada, sentado no sofá da casa de sua irmã, onde três telas de sua autoria estão fixadas nas paredes da sala.
Todas com o traço forte que lhe é característico e a tristeza no olhar, comum aos personagens que retrata. “Essa daqui mostra os retirantes esperando o Pau de Arara, tá vendo? Quer dizer, uma coisa que vi muitas vezes durante minha infância, principalmente enquanto tentávamos chegar ao Rio Grande do Norte”, explica sobre a tela pintada em 2002.

Para maquiar a dor que ele mesmo admite pincelar em suas telas, Assis escolhe cores fortes. “Aqui ou acolá é que eu faço uma menina sorrindo. As cores servem para ajudar a dar mais alegria. Pode ver que as roupas são bem vivas e o mar é muito azul, como nessa tela dos pescadores com a família na antiga Redinha. Tá vendo o forte dos Reis Magos lá atrás?”, pergunta ao repórter, que confirma com a cabeça.

Assis ainda era criança quando deixou a família em São João do Sabugi e veio para Natal ganhar a vida pintando retrato das pessoas na Praia do Meio. O início da carreira só aconteceria de fato a partir de 1979, aos 19 anos, quando venceu o Prêmio de Pintura Newton Navarro, concedido pela galeria de arte da Biblioteca Câmara Cascudo. A partir dali as encomendas foram tantas que ele se sentiu à vontade para pedir demissão do Colégio das Neves, onde era professor de artes, para ganhar a vida somente das telas.

Os convites para exposições também se tornaram frequentes depois do prêmio, até que em 1983 foi convidado para representar o Rio Grande do Norte no Museu de Arte Contemporânea, em São Paulo. Por lá se deparou com o quadro “O Menino Morto”, de Cândido Portinari, um dos encontros mais chocantes de sua vida, segundo confessa. “Eu comecei a chorar ali mesmo, quando vi a tela”, lembra.

Aquela visita a São Paulo também foi ainda mais especial porque era a primeira vez que ele retornava à cidade como uma “promessa” das artes plásticas do Nordeste. Anos antes, Assis havia tentado acertar naquele cenário cinza, mas não conseguiu colorir muita coisa por lá e resolveu voltar para Natal, onde construiu sua carreira e chegou também a participar de exposições coletivas na Espanha e Itália.
Novo Jornal 06/10/2013.

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