VISITA A PADRE CÍCERO E A SEU LUNGA
Ivan Pinheiro
No ano de 2009 fiz uma viagem à Juazeiro, no Ceará, com minha família e no roteiro turístico, sob a orientação do meu saudoso amigo Terceiro, estava à visita ao velho mais bruto que o Nordeste conhece - o popular Seu Lunga. Confesso que fiquei sem jeito de enfrentar a "fera". No entanto como o comércio dele é vizinho a um estacionamento privado, aproveitei para estacionar e, ao entrar com o veículo, observei aquele cidadão de idade superior aos setenta anos, chapéu de massa, preto, sobre a cabeça, sentado à calçada em um tamborete. Perguntei ao manobrista do estacionamento se aquele era Seu Lunga e se ele no momento estava "invocado". O manobrista afirmou que não. Era possível até que "dissesse algumas lorotas". Nos aproximamos e mesmo sabendo de quem se tratava, perguntei:
Seu Lunga, Ivan Filho, Margares, Ceiça Barbosa, Terezinha (minha mãe), Natália e Ivan Pinheiro. |
- Bom dia, o senhor é que é o Seu Lunga?
O velho levantou a cabeça e sem pestanejar respondeu:
- Você é que está dizendo!
E por ai começou o curto diálogo. Eu, sempre com o "pé atrás" com medo de dizer alguma coisa que o deixasse chateado... Invocado. Decorrido algum tempo perguntei se poderíamos “bater uns retratos” com ele. De pronto concordou... Para encurtar a história terminou ele recitando poesias no momento em que as mulheres se posicionavam ao seu lado para os registros fotográficos. Os homens ele olhava para o lado contrário e depois dizia:
- Sai marmota.
Naquele instante a calçada já contava com mais de 20 turistas, todos desejando registrar em suas máquinas fotográficas ou celulares a lembrança de Seu Lunga. Achamos por bem nos despedirmos desejando muita saúde para aquela figura que por traz da sua brutalidade está o lado afetuoso, poético... E sem dúvidas, excêntrico.
Seu Lunga, Natália e Ivan Filho |
Seu Lunga é hoje uma personalidade famosa em todo o Nordeste brasileiro e está ali, em Juazeiro, aposentado e matando o tempo vendendo bugigangas... Ferros velhos. Não é que o ramo de atividade seja uma desonra, de forma alguma. O que amargura é o fato de algumas pessoas, muitas da própria cidade, menosprezarem aquele amante da arte e da cultura, um verdadeiro intelectual.
Esta visita me fez voltar ao tempo de criança e relembrar nosso saudoso poeta João Lins Caldas que o Assu só reconheceu (remotamente) seu valor intelectual quando ele havia desaparecido. Muitos brasileiros o referenciavam enquanto que quase toda a população da 'Terra dos Poetas' o tinha como um esquizofrênico.
Observando o estilo do comércio de Seu Lunga, com aproximadamente quatro metros de altura de ferros velhos e outras bugigangas, me veio à mente o "retrato" de outro comércio existente no Assu do ontem, pertencente a outra personalidade da 'Terra dos Carnaubais', senhor Firmino Simplício de Morais - o saudoso "Seu Firmino Dezenove". O diferencial é que "Seu Firmino" vendia objetos novos e Seu Lunga vende coisas usadas.
Quase esquecia um detalhe: Seu Lunga faz questão de dizer que tudo que é comercializado por ele tem utilidade e funciona. Inclusive os aparelhos eletroeletrônicos, muitos deles consertados e reformados pelo próprio. Aquele cearense é, sem sombra de dúvidas, uma figura singular...
Quem tiver oportunidade de visitar a 'Terra de Padre Cícero' procure conhecer Joaquim dos Santos Rodrigues - o popular Seu Lunga - nascido no dia 18 de agosto de 1927. O comércio dele fica na Rua Santa Luzia, vizinho ao Mercado Central de Juazeiro.
Fotos: Adriana Barbosa
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