quinta-feira, 8 de novembro de 2012

SECA


“A Agonia da Seca”
        A região Nordeste do Brasil ocupa uma área de 1.561.177 km², correspondente a 18,27% do território brasileiro, dos quais cerca de 962.857 km² situa-se no polígono das secas. A região que compreende esse polígono engloba todos os estados do nordeste (exceto o Estado do Maranhão, o Distrito de Fernando de Noronha e algumas áreas úmidas do nordeste), além do norte de Minas Gerais e o norte do Espírito Santo e abriga uma população de cerca de 53.081.950 habitantes, equivalente a 27,37% do total nacional, (IBGE, 2010)
A região produz aproximadamente 16% do PIB brasileiro e seu PIB per capita corresponde a 56% do PIB por habitantes do Brasil. O nordeste apresenta algumas singularidades do cenário geoeconômico brasileiro. Aqui vive aproximadamente metade da população pobre do pais, ou seja, algo em torno de 8 milhões de nordestinos vivem em absoluta pobreza. Em termo geográfico a região mostra-se bastante heterogênea, apresentando grande variedade de situações físico-climáticas. Dentre estas se destaca a zona semi-árida, que, além da sua extensão de 878.973 km² (cerca de 57% do território nordestino), singulariza-se por ser castigada periodicamente por secas. As secas podem ocorrer sobre a forma de drástica diminuição ou de concentração espacial e/ou temporal da precipitação pluviométrica anual. Quando ocorre uma grande seca como a que estamos vivenciando, a produção agrícola se perde, a pecuária é debilitada ou dizimada e as reservas de água de superfície se exaurem. Nestas condições, as camadas mais pobres da população rural tornam-se inteiramente impotente e vulnerável ao fenômeno climático.
 Historicamente, a sobrevivência desses contingentes de pessoas tem dependido, seja das políticas oficiais de socorro, seja do recurso à emigração para outras regiões ou para as áreas urbanas do próprio nordeste. É possível que nos tempos de D. Pedro II o bordão português fosse expressão de compromisso com a verdade: “palavra de rei não volta atrás”. Foi com o propósito de ver cumprida a sua palavra que o generoso imperador, nos idos de 1877, ante a devastadora seca que assolava o nordeste, proclamou a sentença que viria abrir o dicionário de promessas para a região: “Não restará uma única jóia na coroa, mas nenhum nordestino morrerá de fome”. Ao que se sabe, não faltou nenhuma jóia na coroa do imperador... No entanto, a mesa do pobre é escassa, mas o leito da miséria é fecundo. (Josué de Castro – Geopolítica da fome). Milhares de nordestinos não resistiram a inclemência das grandes secas que assolaram o semi-árido ao correr do século 20 (a de 1915 foi devastadora). E hoje a cena se repete, se não morrem mais de fome, passam muitas necessidades a começar da falta de água. Nos últimos tempos o crônico problema emergiu sob manchetes que dão conta da pior seca em 30 anos – no caso do Rio Grande do Norte, com 167 municípios, dos quais 144, estão em situação de emergência e/ou calamidade, o que corresponde a 86% dos municípios do Estado, situação que ressuscita as agruras do passado, simbolizadas por caminhões pipa levando água para os municípios, filas de pessoas com balde na mão, lavouras dizimadas, carcaças de animais nas terras esturricadas, e pequenos rebanhos desfilando uma estética da fome. “A seca já atingiu 83% do rebanho bovino e 92% dos rebanhos caprino e ovino do Rio Grande do Norte. Os prejuízos já superam a um montante de R$ 5 bilhões”, sem que as ações emergenciais efetivas ocorram e socorram a população mais vulnerável na situação atual.
Ora vejamos, o Ministério da Integração propaga as ações de governo quanto a bolsa estiagem, garantia safra, leilão de milho (que tornou-se uma acanhada ação de governo sob a coordenação da CONAB, mesmo sendo o Brasil o segundo maior produtor de grãos do mundo), recuperação de poços (que não são recuperados), operação carro-pipa ao invés de um amplo programa de perfuração de poços (água permanente), socorro e assistência (qual?) e a linha de crédito emergencial disponibilizadas e operacionalizadas exclusivamente pelo Banco do Nordeste, que sem estrutura de pessoal e tecnologia adequada para dar agilidade ao atendimento aos clientes, provocam retardamento na contratação dos recursos destinados a viabilizarem o acesso aos meios de produção e de sobrevivência das famílias do campo, cujo o prazo para contratação vai até 30 de dezembro de 2012, (conforme resolução n° 4.077 do Conselho Monetário Nacional), deixando à margem do processo, grande contingente de produtores e produtoras, que sentem os efeitos devastadores da seca.
Os danos começam a atacar o bolso e o estômago. O fato é que o efeito da seca já se faz sentir na economia nordestina, a denotar que os padrões da vida moderna e os bilhões despejados por governantes em obras de serventia duvidosa não conseguem preencher as demandas das populações. Com o celular pregado ao ouvido enquanto espera a vez de pegar água na mangueira do caminhão-pipa, o moço de bermuda mais parece um insólito retrato da extravagância. Afinal, aquele aparelho de cores berrantes e som estridente destoa da cena que lembra a saga do passado, tão bem descrita por trovadores e imortalizada pelo cancioneiro maior do Nordeste, o de Luiz Gonzaga, ao puxar o lamento: “Quando a lama virou pedra/ e mandacaru secou,/ quando o Ribaçã de sede/ bateu asa e voou,/ foi aí que eu vim me embora/ carregando a minha dor”. (Torquato, 2012)
O povo já não vai embora porque há um colchão social para atenuar as dores de quem vê a lama virar pedra. Dos 13 milhões de famílias que recebem Bolsa-Família, a concentração maior é no sertão do Nordeste, onde 70% são assistidos pelo programa. Isso explica o contraste que se vê naquela fila da água: um traço do Brasil tecnológico, simbolizado pelo celular, ao qual 164 milhões de brasileiros têm acesso; e o desenho do País das grandes carências, dentre as quais a de água, que deixou de pingar nas torneiras de 85% dos municípios da região.
Como contemplar a moldura desconjuntada sem achar que nossa posição de sexta economia do mundo deixa transparecer um tecido roto, a imagem de um queijo suíço, cheio de furos? Às imagens entrelaçadas de passado e presente se soma o acervo verborrágico sobre a seca, pleno de promessas, feitos e realizações. Compreende-se a razão: a água, oxigênio da vida, oxigena também o oportunismo e ambições políticas. Transforma-se em discurso para as massas assoladas por sua escassez. Pratica-se, em seu entorno, o jogo político, um recheio de promessas vãs embalado no pacote de mazelas da cultura regional. A cada seca se expande a galeria de governantes autonomeados artífices da redenção do povo. A “solução” encontrada por todos eles, desde os tempos do imperador, tem sido a construção de pequenos e médios reservatórios. Políticas consistentes e efetivas passam ao largo.
Na campanha presidencial de 1950, Getúlio Vargas, ao discursar no Ceará, lembrava que seu governo, em menos de 15 anos (de 1930 a 1944), conseguira aumentar a capacidade de acumulação de água no Nordeste, de 630 milhões para 2 bilhões de m³, com a construção de 225 açudes. Gastara 15 milhões de cruzeiros. Juscelino Kubitschek, ao assumir a Presidência, em 1956, garantiu no discurso de posse: “Esta é a última seca que assola o Nordeste”. A garantia do presidente que inaugurou a barragem do Açude de Orós, na época o maior do País, evaporou-se como a água dos reservatórios. No ciclo da ditadura militar, o tratamento seguiu os trâmites ortodoxos: estado de calamidade pública nos municípios afetados e abertura de crédito extraordinário e frentes de trabalho. A era FHC fechou os olhos ao fenômeno, que acontece com intervalos próximos a dez anos. Iniciou um tímido programa de alistamento para uma bolsa de emergência. O então presidente referiu-se poucas vezes à seca. “O povo do Nordeste e do norte de Minas deve encarar a seca, criando condições de enfrentamento no qual o cidadão será o vencedor”, dizia.
O período de Lula abriu esperanças. Os nordestinos imaginavam que um filho da região arrumaria a idéia para contornar o flagelo. Sacou ele de seu bornal a obra de transposição do Rio São Francisco, com a qual prometeu combater “a indústria da seca”. Hoje, trechos estão paralisados. Obras feitas, e abandonadas, se degradam. O desânimo se instala. Ademais, apenas 4% da água desviada pelos canais deverá ser usada para consumo humano, enquanto 70% seguirá para irrigação em grandes projetos de exportação e 26%, para uso industrial. Sob esse acervo de projetos inacabados, ausência de visão sistêmica, carência de continuidade, interesses conflituosos entre Estados, expande-se a primeira grande seca do século 21.
À guisa de conclusão histórica: e agora, presidente Dilma, o que fazer para a região conviver, de maneira harmoniosa, com o fenômeno? Por que regiões áridas do mundo acharam a solução para seu pleno desenvolvimento, como áreas dos EUA, de Israel (Deserto de Neguev), do México, do Peru, do Chile e do Senegal? Como integrar a moto, o celular, o óculos ray-ban, a quinquilharia made in China à paisagem real do País? Como dizer ao sertanejo Manoel e a sua mulher, Rosa, personagens de Deus e o Diabo na Terra do Sol, do genial Glauber Rocha, que eles não participam do filme De Volta para o Futuro? Porque a presidente Dilma Rousseff e os governadores do nordeste não dão prioridade aos assuntos dos recursos hídricos e da irrigação como alternativas, no contexto nacional e regional, assegurando a adequada coordenação, expansão e sustentabilidade das modalidades privadas e parcerias público-privada, sobretudo na região nordeste, traçando, portanto, uma efetiva política de desenvolvimento regional integrado, consubstanciada no preceito constitucional da redução das desigualdades?
A agricultura irrigada é a que mais gera emprego por real de investimento aplicado, para se ter uma idéia, o custo para geração de um emprego direto na agricultura irrigada é inferior a US$ 10 mil; na indústria de bens de consumo é de US$ 44 mil, no turismo, US$ 66 mil, na industria automobilística, US$ 91 mil e na industria química, de US$ 220 mil. Baseado nesses estudos, estimou-se, para região semi-árida, em várias condições da agricultura irrigada, que um hectare irrigado gera de 0,8 a 1,2 emprego direto e 1,0 a 1,2 indireto, de forma consistente e estável, contra 0,22 emprego direto na agricultura de sequeiro. Assim, esta capacidade de gerar emprego por parte da agricultura irrigada contribuía e tende ainda a contribuir para a diminuição do êxodo rural desordenado no Nordeste. (Souza, 1989). Além do fator de geração de emprego e melhoria de renda, contribui para evitar o êxodo para os já inchados centros urbanos, tendo impactos diretos na interiorização e desconcentração de investimentos no pais, sobretudo nas regiões mais carentes. A viabilização da produção de alimentos com redução de riscos, gerando empregos e aumento de renda para o setor rural, faz da irrigação uma alternativa técnica, que deveria ter a sua utilização fomentada de forma racional para permitir o desenvolvimento socioeconômico de regiões brasileiras pouco favorecidas. “A adoção da agricultura irrigada pode significar o aumento sustentado da produção e produtividade agrícolas, a elevação dos níveis de renda e a conquista de melhoria das condições de vida da população rural, sendo fator importante para manutenção do homem no campo”.
Já dizia Josué de Castro que: pelo Brasil afora se tem a idéia apressada e simplista que o fenômeno da fome no Nordeste é produto exclusivo da irregularidade e inclemência de seu clima. De tudo é causado pelas secas que periodicamente desorganizam a economia da região. Nada mais longe da verdade. Nem todo o Nordeste é seco, nem a seca é tudo, mesmo na área do sertão. Há tempos que nós batemos para demonstrar, para incutir na consciência nacional o fato que a seca não é o principal fator de pobreza ou da fome nordestina. Que é apenas um fator de agravamento da situação, cujas causas são outras. São causas mais ligadas ao arcabouço social do que aos acidentes naturais e as condições ou bases físicas da região.
É importante lembrar que a população rural que sobrevive da agricultura e pecuária é a que mais sofre com os efeitos da seca, além das perdas mensuráveis, se instala as perdas não-mensuráveis, composta pelo desânimo, impotência e a baixa auto-estima da população flagelada. Será que as autoridades tem capacidade de compreender o sentimento dessa população? As políticas públicas destinadas a mitigar os efeitos da seca e os desníveis de exclusão social no nordeste devem priorizar, de imediato, mudanças nos padrões de acesso aos serviços essenciais e aos ativos produtivos para ter uma vida com dignidade, nessa perspectiva, com ações estruturantes e duradouras, como a exploração de poços artesianos ou profundos, dessalinizadores, medidores de tarifa verde, amplo programa de irrigação em consórcio com a exploração da apicultura, aproveitamento dos espelhos d’água para piscicultura, etc. “Não queremos convivência com a seca. Se juntarmos água e soluções técnicas, teremos riqueza em abundância” (Júlio Lóssio), “Precisamos ir mais além do que as medidas emergenciais oferecidas pelo Governo Federal. Essas ações tratam os doentes, contudo, precisamos trazer saúde duradoura para os municípios, e isso só será feito, se tivermos água perene”.

Antonio de Paula Batista
Economista
corecon - 905 / RN
T
Antonio de Paula Batista - Burrego - no solo seco do Rio Panon

Nenhum comentário:

Postar um comentário