“A Agonia da Seca”
A região Nordeste do Brasil ocupa uma área
de 1.561.177 km², correspondente a 18,27% do território brasileiro, dos quais
cerca de 962.857 km² situa-se no polígono das secas. A região que compreende
esse polígono engloba todos os estados do nordeste (exceto o Estado do
Maranhão, o Distrito de Fernando de Noronha e algumas áreas úmidas do
nordeste), além do norte de Minas Gerais e o norte do Espírito Santo e abriga
uma população de cerca de 53.081.950 habitantes, equivalente a 27,37% do total
nacional, (IBGE, 2010)
A região produz aproximadamente 16% do PIB
brasileiro e seu PIB per capita corresponde a 56% do PIB por habitantes do
Brasil. O nordeste apresenta algumas singularidades do cenário geoeconômico
brasileiro. Aqui vive aproximadamente metade da população pobre do pais, ou
seja, algo em torno de 8 milhões de nordestinos vivem em absoluta pobreza. Em
termo geográfico a região mostra-se bastante heterogênea, apresentando grande
variedade de situações físico-climáticas. Dentre estas se destaca a zona
semi-árida, que, além da sua extensão de 878.973 km² (cerca de 57% do
território nordestino), singulariza-se por ser castigada periodicamente por
secas. As secas podem ocorrer sobre a forma de drástica diminuição ou de
concentração espacial e/ou temporal da precipitação pluviométrica anual. Quando
ocorre uma grande seca como a que estamos vivenciando, a produção agrícola se
perde, a pecuária é debilitada ou dizimada e as reservas de água de superfície
se exaurem. Nestas condições, as camadas mais pobres da população rural
tornam-se inteiramente impotente e vulnerável ao fenômeno climático.
Historicamente, a sobrevivência desses
contingentes de pessoas tem dependido, seja das políticas oficiais de socorro,
seja do recurso à emigração para outras regiões ou para as áreas urbanas do
próprio nordeste. É possível que nos tempos de D. Pedro II o bordão português
fosse expressão de compromisso com a verdade: “palavra de rei não volta atrás”.
Foi com o propósito de ver cumprida a sua palavra que o generoso imperador, nos
idos de 1877, ante a devastadora seca que assolava o nordeste, proclamou a
sentença que viria abrir o dicionário de promessas para a região: “Não restará
uma única jóia na coroa, mas nenhum nordestino morrerá de fome”. Ao que se sabe,
não faltou nenhuma jóia na coroa do imperador... No entanto, a mesa do pobre é
escassa, mas o leito da miséria é fecundo. (Josué de Castro – Geopolítica da
fome). Milhares de nordestinos não resistiram a inclemência das grandes secas
que assolaram o semi-árido ao correr do século 20 (a de 1915 foi devastadora).
E hoje a cena se repete, se não morrem mais de fome, passam muitas necessidades
a começar da falta de água. Nos últimos tempos o crônico problema emergiu sob
manchetes que dão conta da pior seca em 30 anos – no caso do Rio Grande do
Norte, com 167 municípios, dos quais 144, estão em situação de emergência e/ou
calamidade, o que corresponde a 86% dos municípios do Estado, situação que
ressuscita as agruras do passado, simbolizadas por caminhões pipa levando água
para os municípios, filas de pessoas com balde na mão, lavouras dizimadas,
carcaças de animais nas terras esturricadas, e pequenos rebanhos desfilando uma
estética da fome. “A seca já atingiu 83% do rebanho bovino e 92% dos rebanhos
caprino e ovino do Rio Grande do Norte. Os prejuízos já superam a um montante
de R$ 5 bilhões”, sem que as ações emergenciais efetivas ocorram e socorram a
população mais vulnerável na situação atual.
Ora vejamos, o Ministério da Integração
propaga as ações de governo quanto a bolsa estiagem, garantia safra, leilão de
milho (que tornou-se uma acanhada ação de governo sob a coordenação da CONAB,
mesmo sendo o Brasil o segundo maior produtor de grãos do mundo), recuperação
de poços (que não são recuperados), operação carro-pipa ao invés de um amplo
programa de perfuração de poços (água permanente), socorro e assistência
(qual?) e a linha de crédito emergencial disponibilizadas e operacionalizadas
exclusivamente pelo Banco do Nordeste, que sem estrutura de pessoal e tecnologia
adequada para dar agilidade ao atendimento aos clientes, provocam retardamento
na contratação dos recursos destinados a viabilizarem o acesso aos meios de
produção e de sobrevivência das famílias do campo, cujo o prazo para contratação
vai até 30 de dezembro de 2012, (conforme resolução n° 4.077 do Conselho
Monetário Nacional), deixando à margem do processo, grande contingente de
produtores e produtoras, que sentem os efeitos devastadores da seca.
Os danos
começam a atacar o bolso e o estômago. O fato é que o efeito da seca já se faz
sentir na economia nordestina, a denotar que os padrões da vida moderna e os
bilhões despejados por governantes em obras de serventia duvidosa não conseguem
preencher as demandas das populações. Com o celular pregado ao ouvido enquanto
espera a vez de pegar água na mangueira do caminhão-pipa, o moço de bermuda
mais parece um insólito retrato da extravagância. Afinal, aquele aparelho de
cores berrantes e som estridente destoa da cena que lembra a saga do passado,
tão bem descrita por trovadores e imortalizada pelo cancioneiro maior do
Nordeste, o de Luiz Gonzaga, ao puxar o lamento: “Quando a lama virou pedra/ e
mandacaru secou,/ quando o Ribaçã de sede/ bateu asa e voou,/ foi aí que eu vim
me embora/ carregando a minha dor”. (Torquato, 2012)
O povo já não
vai embora porque há um colchão social para atenuar as dores de quem vê a lama
virar pedra. Dos 13 milhões de famílias que recebem Bolsa-Família, a
concentração maior é no sertão do Nordeste, onde 70% são assistidos pelo programa.
Isso explica o contraste que se vê naquela fila da água: um traço do Brasil
tecnológico, simbolizado pelo celular, ao qual 164 milhões de brasileiros têm
acesso; e o desenho do País das grandes carências, dentre as quais a de água,
que deixou de pingar nas torneiras de 85% dos municípios da região.
Como
contemplar a moldura desconjuntada sem achar que nossa posição de sexta
economia do mundo deixa transparecer um tecido roto, a imagem de um queijo
suíço, cheio de furos? Às imagens entrelaçadas de passado e presente se soma o
acervo verborrágico sobre a seca, pleno de promessas, feitos e realizações.
Compreende-se a razão: a água, oxigênio da vida, oxigena também o oportunismo e
ambições políticas. Transforma-se em discurso para as massas assoladas por sua
escassez. Pratica-se, em seu entorno, o jogo político, um recheio de promessas
vãs embalado no pacote de mazelas da cultura regional. A cada seca se expande a
galeria de governantes autonomeados artífices da redenção do povo. A “solução”
encontrada por todos eles, desde os tempos do imperador, tem sido a construção
de pequenos e médios reservatórios. Políticas consistentes e efetivas passam ao
largo.
Na campanha
presidencial de 1950, Getúlio Vargas, ao discursar no Ceará, lembrava que seu
governo, em menos de 15 anos (de 1930 a 1944), conseguira aumentar a capacidade
de acumulação de água no Nordeste, de 630 milhões para 2 bilhões de m³, com a
construção de 225 açudes. Gastara 15 milhões de cruzeiros. Juscelino
Kubitschek, ao assumir a Presidência, em 1956, garantiu no discurso de posse:
“Esta é a última seca que assola o Nordeste”. A garantia do presidente que
inaugurou a barragem do Açude de Orós, na época o maior do País, evaporou-se
como a água dos reservatórios. No ciclo da ditadura militar, o tratamento
seguiu os trâmites ortodoxos: estado de calamidade pública nos municípios
afetados e abertura de crédito extraordinário e frentes de trabalho. A era FHC
fechou os olhos ao fenômeno, que acontece com intervalos próximos a dez anos.
Iniciou um tímido programa de alistamento para uma bolsa de emergência. O então
presidente referiu-se poucas vezes à seca. “O povo do Nordeste e do norte de
Minas deve encarar a seca, criando condições de enfrentamento no qual o cidadão
será o vencedor”, dizia.
O período de Lula
abriu esperanças. Os nordestinos imaginavam que um filho da região arrumaria a idéia
para contornar o flagelo. Sacou ele de seu bornal a obra de transposição do Rio
São Francisco, com a qual prometeu combater “a indústria da seca”. Hoje,
trechos estão paralisados. Obras feitas, e abandonadas, se degradam. O desânimo
se instala. Ademais, apenas 4% da água desviada pelos canais deverá ser usada
para consumo humano, enquanto 70% seguirá para irrigação em grandes projetos de
exportação e 26%, para uso industrial. Sob esse acervo de projetos inacabados,
ausência de visão sistêmica, carência de continuidade, interesses conflituosos
entre Estados, expande-se a primeira grande seca do século 21.
À guisa de
conclusão histórica: e agora, presidente Dilma, o que fazer para a região
conviver, de maneira harmoniosa, com o fenômeno? Por que regiões áridas do
mundo acharam a solução para seu pleno desenvolvimento, como áreas dos EUA, de
Israel (Deserto de Neguev), do México, do Peru, do Chile e do Senegal? Como
integrar a moto, o celular, o óculos ray-ban, a quinquilharia made in China à
paisagem real do País? Como dizer ao sertanejo Manoel e a sua mulher, Rosa,
personagens de Deus e o Diabo na Terra do Sol, do genial Glauber Rocha, que
eles não participam do filme De Volta para o Futuro? Porque a presidente Dilma
Rousseff e os governadores do nordeste não dão prioridade aos assuntos dos
recursos hídricos e da irrigação como alternativas, no contexto nacional e
regional, assegurando a adequada coordenação, expansão e sustentabilidade das
modalidades privadas e parcerias público-privada, sobretudo na região nordeste,
traçando, portanto, uma efetiva política de desenvolvimento regional integrado,
consubstanciada no preceito constitucional da redução das desigualdades?
A agricultura
irrigada é a que mais gera emprego por real de investimento aplicado, para se
ter uma idéia, o custo para geração de um emprego direto na agricultura
irrigada é inferior a US$ 10 mil; na indústria de bens de consumo é de US$ 44
mil, no turismo, US$ 66 mil, na industria automobilística, US$ 91 mil e na
industria química, de US$ 220 mil. Baseado nesses estudos, estimou-se, para
região semi-árida, em várias condições da agricultura irrigada, que um hectare
irrigado gera de 0,8 a 1,2 emprego direto e 1,0 a 1,2 indireto, de forma
consistente e estável, contra 0,22 emprego direto na agricultura de sequeiro.
Assim, esta capacidade de gerar emprego por parte da agricultura irrigada
contribuía e tende ainda a contribuir para a diminuição do êxodo rural desordenado
no Nordeste. (Souza, 1989). Além do fator de geração de emprego e melhoria de
renda, contribui para evitar o êxodo para os já inchados centros urbanos, tendo
impactos diretos na interiorização e desconcentração de investimentos no pais,
sobretudo nas regiões mais carentes. A viabilização da produção de alimentos
com redução de riscos, gerando empregos e aumento de renda para o setor rural,
faz da irrigação uma alternativa técnica, que deveria ter a sua utilização
fomentada de forma racional para permitir o desenvolvimento socioeconômico de
regiões brasileiras pouco favorecidas. “A adoção da agricultura irrigada pode
significar o aumento sustentado da produção e produtividade agrícolas, a
elevação dos níveis de renda e a conquista de melhoria das condições de vida da
população rural, sendo fator importante para manutenção do homem no campo”.
Já dizia Josué de Castro que: pelo Brasil
afora se tem a idéia apressada e simplista que o fenômeno da fome no Nordeste é
produto exclusivo da irregularidade e inclemência de seu clima. De tudo é
causado pelas secas que periodicamente desorganizam a economia da região. Nada
mais longe da verdade. Nem todo o Nordeste é seco, nem a seca é tudo, mesmo na
área do sertão. Há tempos que nós batemos para demonstrar, para incutir na
consciência nacional o fato que a seca não é o principal fator de pobreza ou da
fome nordestina. Que é apenas um fator de agravamento da situação, cujas causas
são outras. São causas mais ligadas ao arcabouço social do que aos acidentes
naturais e as condições ou bases físicas da região.
É importante lembrar que a população rural
que sobrevive da agricultura e pecuária é a que mais sofre com os efeitos da
seca, além das perdas mensuráveis, se instala as perdas não-mensuráveis,
composta pelo desânimo, impotência e a baixa auto-estima da população flagelada.
Será que as autoridades tem capacidade de compreender o sentimento dessa
população? As políticas públicas destinadas a mitigar os efeitos da seca e os
desníveis de exclusão social no nordeste devem priorizar, de imediato, mudanças
nos padrões de acesso aos serviços essenciais e aos ativos produtivos para ter
uma vida com dignidade, nessa perspectiva, com ações estruturantes e
duradouras, como a exploração de poços artesianos ou profundos, dessalinizadores,
medidores de tarifa verde, amplo programa de irrigação em consórcio com a
exploração da apicultura, aproveitamento dos espelhos d’água para piscicultura,
etc. “Não queremos convivência com a seca. Se juntarmos água e soluções
técnicas, teremos riqueza em abundância” (Júlio Lóssio), “Precisamos ir mais
além do que as medidas emergenciais oferecidas pelo Governo Federal. Essas
ações tratam os doentes, contudo, precisamos trazer saúde duradoura para os
municípios, e isso só será feito, se tivermos água perene”.
Antonio de Paula Batista
Economista
corecon - 905 / RN
Antonio de Paula Batista - Burrego - no solo seco do Rio Panon |
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