A
VARA DE BAMBU
O sol ainda não tinha surgido no horizonte, quando
Francisca acordou definitivamente. A noite inteira ela não tinha conseguido
repousar. As preocupações “martelaram” seus neurônios. Nos últimos dias, vinha
enfrentando muitas dificuldades. No entanto, sua principal inquietação era
encontrar uma forma de sustentar seus dois filhos.
Estava separada do seu marido havia uma semana por
desentendimentos e ciúmes, por parte dele. Encontrava-se residindo,
miseravelmente, em um casebre de taipa, coberto de palha de carnaúba, sem água,
luz ou qualquer tipo de conforto na comunidade de Juazeiro na zona rural do Assu.
Francisca era uma mulher de feições modestas: estatura
mediana, magra, cabelos lisos descendo sobre seus ombros, andar faceiro
demonstrando que em alguma época contou com uma condição social melhor do que a
que estava vivendo. Achava-se desolada sem saber que rumo tomar na busca de
angariar recursos para alimentar sua família.
Naquela manhã, um pouco mais de meio quilo de farinha,
uma xícara de sal e meio litro de leite, que diariamente conseguia com o
vizinho, era tudo que existia naquele mísero recinto. O desespero poderia ser
total se não fosse a personalidade forte daquela mulher.
Surgiram os primeiros raios
de sol. Francisca varria o terreiro, com uma vassoura feita artesanalmente por
ela do olho da carnaubeira. Inesperadamente avistou, no oitão do casebre, uma
velha vara de bambu com linha e anzol, escondida por entre as palhas que
protegiam as paredes de barro dos escassos pingos das chuvas. Ela já não
lembrava o tempo em que seu ex-marido tinha usado aquela armadilha.
Sua moradia ficava a
aproximadamente três quilômetros do leito do rio Assu, que naquela manhã
encontrava-se cheio, “de barreira a
barreira”, como falavam os ribeirinhos.
- Meu Deus,
esta pode ser a nossa salvação! – Pensou ela em voz alta.
Rapidamente terminou a
faxina, foi ao canto do quintal e encostou a vassoura na cerca construída de
talo da carnaúba. Entrou em casa e seguiu até as redes dos meninos que dormiam
sossegados. Por algum momento, hesitou em não chamá-los, mas não podia perder
tempo, precisava imediatamente ir ao rio em busca de alguma coisa para comerem.
-
Manoelzinho... Vicentinho... Acordem filhos!
Decorridos alguns minutos,
caminhava ela, a passos curtos, em uma estreita estrada carroçável, ladeada por
cercas de arames farpados formando um corredor que dava acesso ao rio.
Manoelzinho, o mais velho, com apenas seis anos de idade era puxado
carinhosamente pelo braço, enquanto Vicentinho, de apenas três anos, era
conduzido e amparado nos braços da mãe.
Uma cabaça com água fria, a
velha vara de bambu e uma bolsa de palha de carnaúba com uma faca e uma toalha
surrada dentro, era tudo que levavam. No caminho ao passarem por um pequeno
milharal, Francisca esticou-se sobre a cerca e pegou uma espícula de milho.
Seria a isca para a pesca.
Chegando à margem do rio viu o mundaréu d’água e se
assombrou. Tentando manter a calma, foi até uma frondosa oiticica estendeu a
velha toalha no chão e colocou sobre ela o filho menor.
- Manoelzinho,
fique “de olho” no seu irmão. Cuidado pra ele não sair daqui! – Disse ela rumando em direção à barreira.
O sol já estava alto, acima
de quarenta e cinco graus, quando ela acabou o milho da espiga tentando pescar
algo. O menino menor começou a chorar... O outro cochilava sem ânimo. A fome já atormentava as crianças. Exausta,
Francisca veio até elas, deu água da cabaça aos dois e depois tomou um gole.
Precisava poupar aquela água potável.
Quando ia retornando,
avistou um fogoso calango comendo restos de frutas deixadas pelas aves. Não
pensou duas vezes, apanhou um garrancho seco da oiticica e partiu para o
animalzinho indefeso. A perseguição não foi fácil. Minutos depois estava o
pequeno réptil dividido em “iscas” fresquinhas, quase pingando sangue. Colocou
uma delas no anzol e jogou a “sorte” na água.
Os peixes debicavam
incessantemente. Francisca já estava na oitava “isca”... O suor descia sobre
seu rosto, sendo enxugado a cada passada do braço pela testa. Ela estava
intrigada, não imaginava que pescar fosse tão difícil.
De súbito, a vara quase lhe
escapa das mãos. Ela sem nenhuma experiência puxou o bambu em direção ao ombro
arqueando-o de forma inacreditável para a idade daquela armadilha de pesca. Não
conseguiu puxar o peixe. Sem saber o que fazer, gritando incessantemente,
começou a correr de costas arrastando a vara até o peixe ficar pulando em terra
firme.
- É uma
piranha... É uma piranha! Chega menino, me ajude pelo amor de Deus! - Gritou ela desesperada.
A luta foi travada para que
o peixe que pulava valentemente, não retornasse à água. O contentamento de
Francisca pelo feito, quase heroico era maior que o medo de ser mordida. A
piranha tinha coloração cinza-clara, com a região do mento vermelha, pesava
aproximadamente dois quilos. Uma paulada certeira na cabeça deu por encerrada a
batalha contra o peixe.
Aquele foi um dia de alegria
e fartura na pequena família de Francisca... Os dias seguintes constituem
outras estórias de lutas de bravas Franciscas
nordestinas.
Fonte: Dez Contos & Cem Causos - Ivan Pinheiro
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