segunda-feira, 3 de agosto de 2015

ACADEMIA ASSUENSE DE LETRAS:

DISCURSO DE IVAN PINHEIRO NA SESSÃO SOLENE
LENDA MATUTA

Sô norteriograndense
Meu patrão, sou assuense
De alma, vida e coração
Pois, nessa terra bonita,
Eu tive a sorte bendita
De vê a luz, meu patrão.

Nascí, me criei, viví...
Muitas terras conhecí!
Muitas cidades maió.
Mas, pra falá a verdade,
Num achei outra cidade
Mais amiga, mais mió. 

Minha cidade Cabôca,
Qui anda de bôca in bôca
Causando admiração...
- Deus me perdoi a hirisia
Deu à luz – a Poesia,
Numa noite de São João.

Autor: Renato Caldas.
 
Autoridades, confrades, familiares dos patronos e dos acadêmicos que hoje tomam posse na Academia Assuense de Letras, senhoras e senhores, boa noite.

Falar sobre Renato Caldas, em Assu, não é necessário. A população mais madura o conheceu e a nova geração já ouviu falar de suas produções poéticas, de seus causos, de sua verve espirituosa. Sempre foi famoso, admirado e respeitado. Mas é preciso usar esta tribuna para falar um pouco sobre meu honroso patrono.

        Renato Caldas nasceu em Assu no dia 08 de outubro de 1902 e faleceu em 26 também de outubro de 1991. Sua vida foi dedicada à arte. Violonista, compositor e poeta. Percorreu quase todo o País entre as décadas de trinta a cinquenta, fazendo show’s e divulgando o nome do Assú. Foi assim nas grandes e médias cidades do Nordeste: Natal, Recife, Aracajú, Maceió, João Pessoa e Salvador. Também no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.

Ficou conhecido como o “poeta das melodias selvagens”, por seus versos simples e espontâneos. Para muitos um poeta rude, mas sempre original, ao retratar em versos do gênero matuto a simplicidade da vida do homem do campo, a natureza sertaneja, a beleza feminina e diversos aspectos do amor.

Apresentava-se como “um verdadeiro caipira”, provocando no público desopilantes gargalhadas. Afeto, paixão, amor, indiferença, ódio, desilusão... Cheias, farturas, progresso... Secas, flagelo, retiradas, desespero... Tudo isto Renato Caldas retratou em suas poesias. Soube levar além fronteiras a alma do matuto ao som de sua viola e dos seus versos.

Nesse gênero, podemos afirmar que, no Rio Grande do Norte, ninguém conseguiu superá-lo, até hoje.

Autor dos livros; “Poesias”, “Fulô do Mato”, “Meu Rio Grande do Norte” e “Pé de Escada”, este, em parceria com o também poeta João Marcolino de Vasconcelos – Dr. Lou. Mas, foi em “Fulô do Mato” que conseguiu reunir seus melhores trabalhos.

A poesia que deu nome ao livro diz o seguinte:

FULÕ DO MATO –

Sá Dona, vossa mecê,
É a fulô mais cheirosa,
A fulô mais perfumosa
Qui o meu sertão já botô!
Podem fazê um cardume,
De tudo que for prefume,
De tudo qui fô fulô,
Qui nem um, nem uma só,
Tem o cheiro do suo
Qui o seu corpinho suô.

-Tem cheiro de madrugada,
fartun de areia muiáda,
qui o uruváio inxombriô.
É um cheiro bom déferente,
Qui a gente sintindo, sente,
Das outras coisa o fedô.

Em 1939, casou-se com D. Fausta da Fonseca Nobre, após noivado de doze anos. Ela foi sua musa inspiradora. Sua “fulô do Mato”, seu “Intusiasmo”, sua “Hirisia”, sua “Cunfissão”, seu “Oiá Pidão”, seu “Munturo”...  Foi “A Muié e o Amô”.

O poeta orgulhava-se de sua família: uma mulher de fibra, uma filha, Dona Geiza, duas netas, uma sabiá, uma cachorrinha e uma gata, - tudo do sexo feminino.

        Profissionalmente, Renato foi tipógrafo, um dos primeiros motoristas de caminhão do Assu, caixeiro viajante e Avaliador Judicial, cargo equivalente a oficial de justiça, em cuja função aposentou-se.

Boêmio e seresteiro, apreciador das cantigas populares. Dizia que quando estava com os amigos, sua bebida predileta era a cerveja. Sozinho: Cana.

Tralhava mais com versos em sextilhas. No entanto também fazia trovas e dizia que gostava muito da que fez para sua mãe.

“Mamãe foi feliz morrendo
Foi feliz porque morreu
Pois se me visse morrendo
Sofria mais do que eu”.

        Quando adolescente se enrabichou por uma moça que foi morar no sudeste. Na sua partida ele entregou um bilhetinho com essa quadra:

Maria da Cunceição
Faça uma bôa viage.
E leve meu coração
Dento da sua bagage.

Decorrido certo tempo ouviu falar que ela tinha arranjado outro e ele não perdeu tempo e enviou outra quadrinha:

... Maria da Cunceição
Você fez bôa viage?
Devolva meu coração
Qui foi na sua bagage.

Homem de inteligência rara com presença de espírito inigualável. Além de tocador e poeta ele era um ótimo prosador. Resumiu sua trajetória de vida em uma trova quando disse:

Eu? trabalhar desse jeito,
Com as forças que Deus me deu
Pra sustentar um sujeito
Vagabunda como eu?

Renato não escondia que o poema que mais gostava era reboliço:

Menina me arresponda,
Sem se ri e sem chorá:
Pruque você se remexe
Quando vê home passá?
Fica tôda balançando,
Remexendo, remexendo...
Pensa tarvez, qui nós véio,
Nem tem ôio e nem tá vendo?

Mas, se eu fosse turidade,
Se eu tivesse argum valô,
Eu botava na cadeia
Êsse teu remexedô...
E, adespois dele tá preso,
Num lugá, bem amarrado,
Eu pedia: - Minha nêga,
Remexe pro delegado.

Eu, Ivan Pinheiro, numa parceria com Gilvan Lopes, em 08 de outubro de 2002 - dia do centenário do nascimento do poeta -, com o apoio da Prefeitura, da editora Sebo Vermelho e da sua família lançamos os livros: Renato Caldas – O Poeta das Melodias Selvagens; Cartas Para Fausta e reeditamos o primeiro livro Fulô do Mato do ano de 1939.

Renato deu mais nome ao Assú do que o Assú deu a Renato. A 'Terra dos Poetas' ainda não conseguiu retribuir seus feitos.

        Por isso e por outras particularidades, tenho sobre meus ombros a imensa responsabilidade de sentar em sua cadeira, defender e difundir a sua e a minha produção literária.

        Que o velho Renato Caldas possa interceder junto ao Pai para que me ilumine nesta difícil, porém, gratificante caminhada.


Muito obrigado! 

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