quinta-feira, 21 de maio de 2015

LANÇAMENTO DE LIVRO:

Na essência da sabedoria popular 
Ramon Ribeiro - Repórter
A paixão pela cultura popular levou a médica e escritora potiguar Helenita Monte de Hollanda a dedicar 20 anos na coleta de material sobre o tema. Observadora atenta, aproveitou as viagens que fez pelo Brasil para anotar falas, histórias, hábitos, costumes, fotografar festas (religiosas e profanas) e colecionar objetos que compunham a Casa Brasileira.
"Meus filhos também nem sempre me entendem, as vezes reclamam. Mas meu neto, que já leu o livro, agora sabe mais provérbios que seus pais" (Foto: Emanuel Amaral)
Uma parte desse material pode ser visto no “Como diz o ditado”, seu livro que será lançado nesta quinta-feira (21), às 19h, na Livraria Saraiva do Midway Mall.

A obra reúne mais  de 6.200 provérbios, 1.100 frases feitas e 1.200  apodos, alcunhas e gírias matutas. Talvez seja o maior trabalho já feito sobre o tema. Não apenas pela extensão do catálogo, mas também pela parte informativa, que, dentre outras aspectos, procurou relacionar ditados brasileiros com suas versões originais de várias partes do mundo, e relatar a ocorrência das frases em outros meios, como na literatura e na música.

O livro faz parte duma série de seis, que a autora pretende publicar com a temática da cultura popular. Os outros são sobre superstições e crendices; medicina popular; hábitos e costumes (festas, danças, cantos); religiosidade popular; e a Casa Brasileira.

 Saudosa, Helenita lembra que o interesse pela sabedoria popular surgiu na adolescência, momento em que começou a anotar os primeiros provérbios. Sua bisavó por parte de pai era um negra alforriada e lhe trouxe uma forte ligação com o elemento africano. Do lado materno ela herdou o componente religioso. Seu tio-avô foi Dom Nivaldo Monte. “Esse sincretismo cultural de berço foi o que me formou e levo comigo”.

Sua fala, recheada de provérbios, torna para a geração mais nova a conversa um pouco complicada. No entanto a autora é paciente e explica com sorriso aberto cada ditado que cita. “Meus filhos também nem sempre me entendem, as vezes reclamam. Mas meu  neto, que já leu o livro, agora sabe mais provérbios que seus pais”, se diverte.

É curioso ver uma médica se dedicar com tanto afinco a um tema tão distante da sua área. Helenita é especialista em Ultrassonografia Vascular. O que a fez se meter de corpo inteiro na pesquisa foi uma frase do conterrâneo Câmara Cascudo: “O homem se aprende no homem. E não no livro”. “Pensar sobre isso me fez largar a medicina privada, ficando só no Mais Médicos. Dessa forma comecei a me meter pelo interior, fazendo esse trabalho de campo, vendo com meus olhos o que há de remanescente na cultura popular”.

No Rio Grande do Norte passou pelo Sertão, litoral e Borborema Potiguar. Na Bahia, onde mora atualmente, pesquisou em áreas de identidades culturais distintas: Recôncavo, Sertão, Médio São Francisco e Chapada Diamantina.

“Conheci pessoas com bastante conhecimento popular no consultório. Eu marcava de conversar com elas em outro horário e pude gravar muitas dessas entrevistas”, conta.

Além do trabalho de campo, Helenita fala que a pesquisa também envolveu a aplicação de questionários enviados para vários cantos do Brasil, seus cadernos de provérbios anotados desde a adolescência, a leitura de autores como o Cascudo e Gumercindo Saraiva, Veríssimo Melo, Amadeu Amaral.

Em suas leituras, a autora constatou que a sabedoria tida como popular transita pelo erudito, “de modo a não podermos identificar a sua origem”. “Falamos da cultura popular como algo rasteiro. Isso é uma mentira. Se vê provérbios em Dom Quixote, Guimarães Rosa. Não se sabe onde o erudito bebeu no popular, nem onde o popular bebeu no erudito. Então isso é um mito”.

A autora teme ver a cultura popular varrida pelas novas tecnologias. “A internet, a televisão está  passando por cima de tudo. O trabalho ganha importância por fazer o registro dessa cultura, antes que ela se perca”, conta Helenita, que torce para os provérbios não sumirem da boca das pessoas, tanto, que dedica o livro ao neto Gabriel: “a quem presenteio com saber ancestral e a responsabilidade inerente ao conhecimento: saiba, ame, conserve, perpetue!”

“O livro não é algo autoral. O mérito é do tema. Estou devolvendo o que a cultura popular me trouxe”, explica.

Provérbios preferidos da autora:
- A amar e a rezar ninguém nos pode obrigar.
- A Quaresma é muito pequena para quem tem o que pagar pela.
- Asno que a Roma vá de lá asno voltará.
- Casa quantas mores, terras quantas vejas, vinhas quantas podes, dinheiro quanto contes.
- Cinza molhada Páscoa embrejada.
- Com arte e engano se vive meio ano. Com engano e arte se vive a outra parte.
- Deus me livre de etc de escrivão e de quiprocó de boticário.
Fonte: Tribuna do Norte  - 21/05/2015

Nenhum comentário:

Postar um comentário