O PULO DO GATO
Ivan Pinheiro Bezerra*
A PORTA se abriu rangendo as
dobradiças. Um gato que estava descansando sobre uma mureta deu um salto caindo em pé num amontoado de folhas secas sobre o chão.
Ela, apesar de viver o ardor dos seus vinte anos, não costumava sair de casa, a não ser a ida para as missas que ocorriam uma vez por mês na capela da fazenda. Nestes momentos litúrgicos Thomaz fazia questão de adentrar na igrejinha, todo posudo, de braços dados com a sua Madalena. Para ele era como se estivesse mostrando à população o seu troféu... A sua pérola preciosa.
Leôncio não retirou os olhos
da porta. Seus olhares se cruzaram. Ele baixou a cabeça desviando o olhar para
evitar qualquer mal entendido e, depois de alguns segundos, quando voltou a
vista ela permanecia o encarando. Ele ficou nervoso, aquela reação não era
esperada. Voltou a baixar a cabeça. Olhou mais uma vez. Ela acenou com a mão.
Leôncio levantou-se para observar melhor o que estava vendo. Em fração de
segundos seu órgão sexual ficou excitado. Madalena, apesar de distante cerca de
cinquenta metros, pôde observar, de soslaio, a excitação do rapaz.
A lubricidade a contagiou.
Não pensou duas vezes. Automaticamente suas mãos seguraram as pontas da toalha
e, em seguida, abriu os braços tais quais as asas de um filhote de pássaro
preparando seu primeiro voo. Estava ali uma cena que todos gostariam de ver:
Madalena totalmente nua. O rapaz ficou pasmo... Imóvel... Quase petrificado.
Aquele corpo branco, escultural, de seios rígidos e de sexo negro... Tudo o
atraía. Não se conteve em contemplar ao longe, aquela “imagem” que o encantava
e ao mesmo tempo o amedrontava. Correu em sua direção.
Quando Madalena se deu por
si, Leôncio já havia pulado a mureta que protegia o quintal da casa e se
aproximava velozmente. Ela fechou a toalha e entrou rápido batendo a porta num
segundo. O rapaz parou bruscamente colocando as mãos na porta para não se
machucar... Estava ofegante pela rapidez em que se dirigiu para chegar junto
daquele “monumento”.
Por alguns segundos Leôncio
ficou parado, colado à porta, sem entender sua reação. Era como se tivesse sido
atraído por uma descarga elétrica. Seu coração batia forte, parecia que ia
saltar pela boca. Retornando a si,
voltou a pastorear suas ovelhas. Sentou-se no velho tronco da oiticica a raciocinar.
A capela da fazenda estava
praticamente lotada para a missa do domingo à tarde. Leôncio, estrategicamente, se posicionou na ponta do banco da segunda fila. Thomaz e Madalena
entraram. Como de costume, de braços dados pela porta principal. No trajeto ela
olhou, disfarçadamente, nos olhos de Leôncio com um brilho aliciador.
Sentaram-se na primeira fila.
Por um instante, trocaram apertos de mão no
momento da saudação. Quando as mãos se tocaram seus corpos tremeram. Ao saírem
seus olhares se cruzaram mais uma vez como se estivessem lamentando o término
da celebração.
Naquela noite de domingo
Leôncio não conseguiu ter um sono tranquilo. Madalena esteve presente em seus
pensamentos todo o tempo.
Nos dois dias seguintes,
durante a permanência de Leôncio no tronco da oiticica pastoreando as ovelhas,
Madalena não deu sinal de vida. Ele estava convicto de que tudo aquilo havia
sido uma ilusão. Sua reação não poderia ser diferente: “como uma linda jovem, esposa do capataz, principal funcionário da
fazenda, iria dar atenção a mim, um simples peão?” - A esperança que o
alimentava era a diferença de 26 anos de idade entre o casal.
Estava envolvido em seus
pensamentos quando a porta da casa se abriu rangendo as dobradiças. O velho
gato que mais uma vez estava descansando sobre a mureta, saltou. As folhas
secas sobre o chão emitiram um som funesto.
Leôncio não chegou a pensar,
quando deu por si estava na porta, frente a frente com a mulher dos seus
sonhos. Os dois ficaram paralisados. Trêmulos... Brancos como a toalha que
cobria parte do corpo de Madalena.
Como que atraídos por imas
seus corpos se aconchegaram num frenesi lúbrico. Beijaram-se desejosos que os
corpos se unissem em um só corpo. Leôncio retirou-lhe a toalha e levantou-a num
abraço. A silhueta trêmula das duas estruturas físicas entrelaçadas refletia
aos últimos raios de sol sobre a parede enegrecida da cozinha.
Na linha do horizonte já não
se via o clarear do dia quando o carcará de unhas afiadas conseguiu sua presa,
um indefeso filhote de ovelha. O rebanho amedrontado pelo grito guerreiro do
pássaro começou a se movimentar e a berrar... Lá ao longe, tropeçando, tentando
vestir a calça, levantando as mãos, correndo e gritando, demonstrando cansaço,
surgiu Leôncio na diligência de afugentar outro carcará que já tinha sua presa
definida.
*Ivan Pinheiro Bezerra - Licenciado em História.
Autor do Livro: Dez Contos & Cem Causos.
Foto ilustrativa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário