terça-feira, 5 de novembro de 2013

SAÚDE

Médicos condenam autoexame da mama
Estudos mostram que o toque dos seios pela própria mulher não reduz mortes por câncer. O exame capaz de detectar tumores em estágios iniciais é a mamografia
Médica analisa imagem de seio: mamografia é capaz de apontar tumores ainda pequenos, o que eleva as chances de cura.
Nos anos 80, Cássia Kiss ensina o autoexame: “A cura pode estar em suas mãos”

No Brasil, poucas campanhas de saúde conseguiram ser tão eficazes quanto a protagonizada por Cássia Kiss no final dos anos 80. No vídeo, a atriz surge com os seios à mostra para ensinar às mulheres como se detecta o câncer de mama:

— Examinando os seus seios a cada 30 dias, você pode descobrir caroços, alterações no formato ou perda de líquido. Câncer da mama: a cura pode estar em suas mãos — ela diz.

A mensagem foi repetida e replicada de forma extraordinária. Os brasileiros até hoje, 25 anos depois, veem o autoexame como a melhor maneira de descobrir o tumor. No mês passado, uma das hashtags mais repetidas no Facebook e no Twitter foi #autoexame — em apoio ao Outubro Rosa, uma campanha mundial sobre a necessidade da detecção precoce do câncer de mama.

Apesar das boas intenções, os internautas estão equivocados. Confiar no autoexame é uma medida já ultrapassada. Valia para a época em que Cássia Kiss gravou o anúncio. Hoje, o que os médicos recomendam como métodos capazes de detectar precocemente o câncer são o exame físico (feito por um médico ou enfermeiro) e a mamografia (o raio X dos seios).

— A medicina avançou e, como se tivesse jogado um balde de água fria na nossa cara, revelou que o autoexame não traz benefícios — afirma o médico Ruffo de Freitas Júnior, diretor da Escola Brasileira de Mastologia (braço de ensino e pesquisa da Sociedade Brasileira de Mastologia).

Confiar no autoexame e ignorar a mamografia não é apenas uma medida ultrapassada. É também perigosa.

Enquanto a mamografia acusa nódulos ainda minúsculos, a partir de 4 milímetros de diâmetro, o autoexame só detecta caroços já grandes, com mais de 1,5 centímetro. O risco é o de o tumor ser descoberto quando está em estágio avançado e as chances de cura são menores.

Freitas Júnior aponta outro problema do autoexame:

— É como se o médico delegasse à mulher a imensa responsabilidade de detectar uma doença que pode matá-la. O autoexame a deixa extremamente ansiosa.

O autoexame começou a ser ensinado às mulheres por médicos americanos nos anos 50, época em que o mamógrafo não existia (surgiria na década seguinte) e boa parte das ­pacientes chegava aos serviços de saúde com tumores grandes e inoperáveis. Dos EUA, o autoexame ganhou o mundo.

Pesquisas

A conduta mudou no final dos anos 90. O divisor de águas foram duas pesquisas realizadas separadamente, uma na China e a outra na Rússia. Os cientistas acompanharam, ao todo, 390 mil mulheres. Metade havia sido instruída a fazer o autoexame com regularidade; metade não havia recebido orientação. Ao cabo de uma década, para surpresa dos pesquisadores, os dois grupos tiveram o mesmo índice de mortalidade. O autoexame se mostrou incapaz de evitar as mortes.

O médico sanitarista e epidemiologista Arn Migowski, do Instituto Nacional de Câncer (Inca), esclarece que, apesar de todos os problemas, o autoexame não está proibido de todo:

— As mulheres podem e devem conhecer o próprio corpo. Assim, elas percebem quais alterações da mama são naturais, como as provocadas pelo ciclo menstrual, e quais não são naturais e podem indicar algum problema que precisa ser avaliado pelo médico.

A maior incidência do câncer de mama se dá na faixa que vai dos 50 aos 69 anos.

Na rede pública, a recomendação é que as mulheres se submetam ao exame físico das mamas anualmente a partir dos 40 anos. A mamografia, de dois em dois anos, começa aos 50.

Na rede privada, adota-se outro protocolo. Elas costumam passar pelo exame físico e pela mamografia de ano em ano a partir dos 40 anos. O raio X dos seios não é indicado antes dessa idade.

De todos os cânceres, o de mama é o que mais mata mulheres. Pelas estatísticas oficiais, 12.700 brasileiras morreram por causa da doença em 2010.

Para a médica mastologista Angela Trinconi, do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), falta hoje uma campanha pela mamografia tão forte quanto foi aquela de Cássia Kiss pelo autoexame. Ela, porém, ressalva que essa medida sozinha não reduziria as mortes porque a rede pública ainda tem limitações que atrasam a detecção e o tratamento:

— A mulher que sente um nódulo na mama percorre um caminho demorado: dois meses para marcar a consulta no posto de saúde, dois meses para agendar a mamografia, dois meses para receber o resultado, dois meses para marcar o retorno ao posto e mais dois meses para se consultar com o médico especialista em mama. É quase um ano, tempo demais para quem tem câncer. E me refiro ao que, em geral, ocorre no estado de São Paulo, que é referência nacional em saúde. No restante do país, a situação por vezes é mais crítica.

No Brasil, das mulheres diagnosticadas com câncer de mama, 60% terão sobrevivido ao final de cinco anos, segundo o Inca. No Japão, 85%. O tratamento nos dois países é o mesmo. A diferença é que, no Brasil, uma parcela expressiva das mulheres só descobre a doença quando ela está em estágio avançado.
Ricardo Westin
Jornal do Senado.

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