VIAGEM AO SERTÃO DOS MISSIONÁRIOS DO NORDESTE: PADRES ROLIM, IBIAPINA E CÍCERO
Foi num sábado de primavera que de Natal partimos em direção ao sertão do padre Cícero Romão Batista. Na tripulação de quatro amigos (DaMata, Abimael, Homero e Antonio Medeiros), nenhum beato ou devoto do Padim Ciço.
Desde
pequeno ouvimos nossos pais e avós falarem das romarias ao Juazeiro do
Norte – A Meca do Nordeste. Sempre desejei fazer essa viagem assim como
quem tem uma dívida com a sua cultura. Das promessas feitas e das graças
alcançadas em tempos de privações e doenças por muitos familiares e
amigos. Até os dias atuais essas romarias não arrefeceram e milhares de
pessoas continuam fazendo a mesma peregrinação em direção ao Juazeiro
onde está situado grande monumento do famoso padre do nordeste
brasileiro.
A
viagem ao cariri cearense foi feita via Caicó-RN, passando por Brejo do
Cruz e Catolé do Rocha, na Paraíba. Terras-origens-cantadas pelos
paraibanos Zé Ramalho e Chico César. Depois Sousa – terra dos
Dinossauros – e, Cajazeiras. Viagem por um sertão profundo, cheio de
mistérios e arcanos indecifráveis. Reserva cultural de um povo atencioso
e pronto para qualquer informação. O Cariri Novo, de grandes engenhos
de açúcar, beatos, cangaceiros, coronéis e rica cultura popular.
O Vale dos Dinossauros
Indo
ao nordeste do Brasil e passando em Sousa ( Pb), é obrigatória a visita
ao Lajedo da Passagem de Pedras, onde fica situado o famoso “Vale dos
Dinossauros” com as pegadas deixadas por dinossauros que habitavam essa
região alagada. A visita é melhor ainda se for acompanhada pelo guia
Robson Araújo Marques, o “Velho do Rio”. Robson é um
norte-rio-grandense, nascido em Florânia e há 35 anos trabalhando nesse
importante sítio arqueológico que precisava ser melhor preservado e
estudado. Seu avô Anísio Fausto da Silva indo em busca de animais
perdidos, descobriu essas importantes pegadas e denominou “Rastro do Boi
e da Ema”. Analisada depois por paleontólogos descobriu-se que aqueles
rastros que impregnaram os lajedos da “Passagem das Pedras” eram
fabulosos rastros de gigantes dinossauros que por ali passeavam e
caçavam há milhões de anos.
A Cajazeiras do Padre Rolim
Em
Cajazeiras o encontro marcado com o amigo e historiador Francisco
Pereira. Um grande estudioso do Cangaço e da cultura nordestina. A
paixão de Pereira por esses temas o levou a colecionar e comercializar
livros referentes ao Cangaço, Canudos e cultura nordestina. Conversar
com o simpático amigo professor Pereira é uma viagem por essa rica
cultura de beatos, coronéis e cangaceiros. Já o conhecia via internet e
foi uma alegria conversar pessoalmente com ele e comprar uma dezena de
livros sobre o nordeste profundo, seus costumes e crenças.
Pergunto
ao Pereira sobre o filme “O Sonho de Inacim”, e ele diz que não gostou.
Não gostou das liberdades do filme que poderia ser um belo
documentário, e não é. Não gostou do pai do menino como cantor brega e
achou – como historiador- que o filme presta um péssimo serviço à
memória historiográfica nacional ao filmar o padre Rolim num colégio num
colégio diferente daquele criado e mantido pelo pioneiro educador
Rolim.
“O Sonho de Inacim” – O filme sobre o Padre Rolim
Duzentos
anos após o nascimento do padre Ignácio de Sousa Rolim, nascido em 22
de agosto de 1800, o filme o “Sonho de Inacim” resgata a história desse
“Educador do Sertão” que viveu na cidade de Cajazeiras, Pb, onde fundou
um colégio. O menino Inacim sonha tendo contato com o Pe Botânico e
sofre muitas discriminações. Expulso da escola vai para o psicólogo,
médico, lançadora de Búzios e deixa a todos perplexos com os seus
poderes para-normais. O menino vira celebridade na pequena cidade de
cajazeiras já dominada por traficantes. Todas as revelações do menino
Inacim são depois confirmadas pelo biógrafo do Pe Rolim, Padre Heliodoro
Pires, que escreveu o importante “Padre Mestre Ignácio Rolim”, onde
narra o pioneirismo do Pe Rolim no ensino da região da Paraíba. Rolim
foi o melhor professor de Grego em seu tempo e a Paraíba teve que lutar
para não perder o mestre para Olinda- PE.
O
naturalista Pe Rolim de descendência francesa escreveu os importantes
livros “Extracto de Gramática Grega” e “Noções de História Natural”,
onde descreve a fauna e flora do Sertão. Do colégio fundado pelo Pe
Sábio saíram alguns dos maiores sacerdotes e personalidades do Brasil: O
controvertido Padre Cícero Romão Batista, o Cardeal Arcoverde (Primeiro
cardeal da América Latina), Peregrino de Araújo (Governador da Paraíba
1900-1904), Irineu Joffily (historiador, jornalista e advogado
Paraibano) e outros.
Um
belo filme dirigido por Eliezer Filho que resgata a fundação da cidade
de Cajazeiras na Paraíba (terra do diretor). A importância na nossa
formação e cultura dos padres que aqui chegaram. Um belo elenco,
fotografia e a música do Chico César. O som das vozes (mesmo em Dolby)
não está muito bom.
José
Wilker (sempre o mesmo) fez o Pe Rolim. Completa o elenco a excelente
Marcelia Cartaxo, como mãe do menino Inacim (Gabriel Batistuta). E o
excelente (meu voto de melhor ator) José Dumont – o Miguel do Jegue –
toma uma cachaça amuada. O cantor brega Zé das Antas (Fubá) – o pai do
menino – deixa a sua mãe e é suspeito de envolvimento com drogas.
Onde
estão os restos mortais do padre Rolim, querem saber as autoridades da
cidade para comemorar em grande estilo o seu bicentenário em 2000.
Ninguém sabe. Inacim diz que o Padre está vivo. Claro, ele está sempre
vendo o sacerdote professor e fala com o padre. Vê seu belo museu, etc.
Padre Ibiapina – o “Taumaturgo da Caridade”
Padre
Ibiapina nasceu na cidade de Sobral (Ceará) em cinco de Agosto de 1806,
seis anos após o nascimento do padre Rolim. Foi um grande peregrino do
sertão nordestino e criador de inúmeras casas de caridade. Multidões
seguiam seus ensinamentos de amor ao próximo, Mulheres eram acolhidas em
suas 22 casas de caridades (dez só na Paraíba) deixadas por ele no Rio
Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Piauí e Ceará.
O
padre Ibiapina foi o precursor de um catolicismo popular, inspirador de
Antonio Conselheiro, Padre Cícero e de muitos outros padres, beatos (
Gedeões) e missionários. Um grande educador do nordeste deixou marcas
profundas num séquito de fiéis seguidores, Nas casas de caridades as
mulheres abrigadas aprendiam a ler, a contar, Aprendiam cozinhar,
artesanar e recebiam também uma educação religiosa e moral. Quantos
recém-nascidos não foram deixados na “ Roda dos Enjeitados” ou Expostos e
abrigados pelas caridosas do padre educador da Paraíba e de todo
nordeste brasileiro.
Padre
Ibiapina realizou missões, organizou o povo humilde pólvora dos
coronéis, conciliou intrigas, levantou e restaurou igrejas e capelas.
Construiu em mutirões, o refrigério do nordeste: açudes, cacimbas e
barragens.
O
escritor e amigo Bartolomeu ganhou de herança e forneceu a um amigo uma
bandeira daquelas usadas nas missões evangelizadoras do grande padre
Ibiapina.
No dia 19 de fevereiro de 1883 falece o apostolo Ibiapina e seu tumulo está situado em Santa Fé, Paraíba.
Padim Ciço
O
destino motivador da nossa viagem era o Juazeiro do padre Cícero Romão.
Juazeiro, árvores que abriga o nordestino do sol inclemente, Já do
hotel avistávamos a grande estátua do nosso Padim Ciço. A chegada ali
foi coberta de grande emoção e sentimentos que amolecem o coração mais
empedernido. Centenas e centenas de ônibus trazem os penitentes numa
segunda feira imprensada, véspera do feriado da padroeira do Brasil.
Tudo na cidade vive em função do padre Cícero e de suas pregações
seguidas por uma multidão de fieis de todo o Brasil. Nordestinos
eternamente pregados na cruz de uma terra seca e um sol inclemente.
Subimos
a serra do horto cheio de penitentes e vendedores da fé, Imagens, fitas
do padim Santo e velas para acender e rezar. Ouvem-se muitas rezas e
loas em homenagem ao santo do nordeste.
Na
casa de orações – ao lado – muitos ex-votos de madeira e fotos, A
estátua do padre Cícero ao lado da beata Maria de Araújo, que em 1891
deixou a todos estupefatos quando a hóstia ficou vermelha em sua língua.
Romeiros
com suas túnicas marrons, A ordem dos penitentes com seus costumes
medievais e seguidores que se flagelam e entoam benditos. Tudo isso
compõe um cenário de fé e de uma cultura viva, para alem das discussões
acadêmicas sobre a beatitude e comportamento coronelístico do padre
Cícero.
Multidões
sobem as escadas para chegar mais perto da estátua do padre. Estátua
que olha e abençoa o Cariri e seus devotos. Subo também e fico comovido
com tanta fé e adorações. Assino meu nome no pé da estátua gigante.
Muitos outros assinam formando um manto de letras e preces abençoadas
pelo sacerdote nordestino.
Desço
e digo para os meus amigos que ficaram em baixo que me sinto
purificado. Um responde que estar cansado. Outro diz que tem sede.
É
hora de voltar. Promessa cumprida. Muitos pedintes aproveitam para
receber um dízimo dos beatos que rezam, pagam promessas e pedem pelos
seus entes vivos e mortos.
Autor – João Da Mata
Professor de Física da UFRN. Amante da Literatura, dos Livros das Artes.
Postado por Fernando Caldas
Nenhum comentário:
Postar um comentário