O MARCO NO MORRO DO NAVIO, EM PIUM, NÍSIA FLORESTA, RIO GRANDE DO NORTE
Publicado em 11/04/2013
Autor – Rostand Medeiros
Uma situação que pessoalmente me deixa muito feliz é encontrar, trocar
ideias e fazer amizade com pessoas que gostam de história. Mas esta
situação se torna mais interessante é quando encontro pessoas
interessadas em também proteger o nosso patrimônio histórico, tão
vilipendiado e dilapidado que faz pena.
Bem, no último mês de março recebi um e-mail de um cidadão de nome
Flávio Gameleira, um dentista, que curiosamente está terminando o curso
de Gestão Ambiental. Em sua mensagem ele me trazia a notícia da
existência de um estranho objeto de concreto, tombado no alto de uma
duna no nosso litoral sul e que poderia ter haver com a Segunda Guerra
Mundial.
Ele me enviou um link de um filme postado no You Tube em janeiro último e
com pouco mais de um minuto de duração. Para evitar muita escrita,
vejam o material clicando no link abaixo;
Então marcamos um encontro em minha casa, onde conheci Flávio e seu
amigo Keber Kennedy e juntos trocamos ideias e teorias sobre aquele
artefato.
Ligação com a Guerra
Flávio Gameleira me comentou que esteve no local com seus amigos Keber
Kennedy e Március Vinícius no dia 4 de janeiro de 2013. Para chegar ao
local ele contratou os serviços do Guia de Turismo chamado Marcelo. Ele
me revelou que havia um marco de concreto que havia sido fincado
inicialmente no alto do morro e atualmente se encontrava cerca de 50
metros abaixo do local original. O Guia Marcelo lhe relatou que pessoas
da região haviam informado que havia um ano gravado no marco: 1942 ou
1943.
Neste encontro Flávio me afirmou que ele e seus amigos tentaram
desenterrar o marco, mas aquilo era uma tarefa muito pesada para ser
realizada apenas com as mãos. Ele me comentou, e eu também achei o fato
intrigante, saber que em um local de dificílimo acesso existia algo como
aquilo e que a maioria das pessoas de nada saiba.
Para Flávio era importante saber quem, quando e porque foi colocado
aquele marco naquele local , pois poderia se tratar de um patrimônio
histórico.
O marco está na duna conhecida como Morro do Navio, ou Morro Vermelho,
próximo a localidade de Pium, zona rural do município de Nísia Floresta a
poucos quilômetros ao sul de Natal. Em meio a uma zona litorânea com
ausência significativa de elevações naturais, este acidente geográfico
se destaca na paisagem por possuir cerca de 350 metros de altitude. Ele é
um pouco mais elevado que o famoso Morro do Careca, na Praia de Ponta
Negra, este com uma altitude próxima de 340 metros.
Mas além da altitude o Morro do Navio é extremamente interessante para
quem estuda a Segunda Guerra Mundial pela sua localização.
O morro fica exatamente entre o Aeroporto Internacional Augusto
Severo/Base Aérea de Natal e o litoral. Evidentemente que durante a
guerra muitos dos aviadores aliados que decolavam do movimentado
Parnamirim Field tiveram oportunidade de ver este morro de suas
aeronaves. Mas o Morro do Navio também é um ponto de localização muito
visível para qualquer hidroavião que levantasse voo a partir da Lagoa do
Bonfim.
Mas a questão era saber o porquê daquele objeto está ali no Morro do Navio?
Indicações
Para Flávio Gameleira uma das indicações estava no livro “Cartas da Praia”, do escritor potiguar Hélio Galvão.
Nesta obra o autor aponta que alguns morros mais altos na região de
Tibau do Sul possuíam bases de concreto que eram utilizadas por
geógrafos militares para comunicação com a utilização de espelhos,
transmitindo sinais entre eles e chegando até a torre da igreja de São
José de Mipibu.
Se este fato existiu realmente, este sistema de comunicação só poderia
ser a conhecida heliografia e o dispositivo utilizado para enviar
mensagens ópticas com a ajuda de luz solar era um heliógrafo.
A utilização da heliografia remonta à antiguidade, em que inúmeras
culturas utilizavam a luz solar refletidas em materiais apropriados para
enviar mensagens ou sinais através de distâncias consideráveis, além de
inúmeras outras funções. Já o dispositivo de emissão de sinais consiste
de um objeto brilhante montado sobre um suporte. Para usá-lo, o objeto
pode ser girado ou fechado a fim de criar uma série de explosões de luz
que podem ser lidas por um observador. Essas transmissões eram comumente
feitas em código Morse, que utiliza uma série de transmissões longas e
curtas para repassar informações.
Seria então o tal marco, quando se encontrava no alto do Morro do Navio,
utilizado para a transmissão de informações através de um heliógrafo?
Ou teria outra utilidade?
Em meio a estas conjecturas, na mesma semana que me encontrei com o
Flávio, me encontro casualmente com o jornalista Luiz Gonzaga Cortez na
mais importante casa da memória potiguar, o Instituto Histórico e
Geográfico do Rio Grande do Norte. Neste momento me recordei que Gonzaga
Cortez estava realizando uma pesquisa sobre antigos marcos de memória
relativos a Segunda Guerra Mundial e decidi lhe relatar o fato.
Ele gostou da informação de Flávio e propôs realizarmos uma visita ao Morro do Navio.
Na hora confesso que fiquei muito surpreso, pois aqui em Natal é difícil
as pessoas que trabalham com assuntos históricos realizarem pesquisas
em conjunto. Além do mais sempre tive um extremo respeito pelo trabalho
de Cortez. Lembro-me que ainda garoto, em 1985, por ocasião do cinquenta
anos da Intentona Comunista, o jornal O Poti, edição dominical do
periódico Diário de Natal, publicou uma série de reportagens assinadas
por Cortez sobre este tema. Depois ele reuniu este material e publicou o
livro ”A Revolta Comunista de 35 em Natal”, do qual fui ao lançamento e
tenho uma edição autografada do autor.
No domingo (07/04/2013) seguimos para o morro. Junto com o autor deste
artigo e Gonzaga Cortez, seguiram seu filho Cleando e seu neto. Flávio
Gameleira foi contatado, convidado, mas não pode ir.
Visitando o Local
Ao chegarmos no local tivemos que deixar o carro a cerca de dois
quilômetros de distância pela possibilidade do mesmo atolar na areia
fofa. O problema é que chegamos tarde e nossa caminhada começou depois
das onze da manhã, de um dia plenamente ensolarado e sem nenhuma nuvem
no céu.
A trilha é larga, com muitas marcas de passagens de veículos tipo 4×4.
Percebi que em alguns pontos parecia que aquele caminho havia sido
aberto por um trator equipado com uma lâmina de terraplanagem.
Finalmente chegamos ao marco.
Primeiramente fomos surpreendidos diante do fato da peça em questão está
totalmente desenterrada em relação ao vídeo realizado por Flávio
Gameleira em janeiro último. Também vimos na área muitas e muitas marcas
de pneus de veículos tracionados.
Mais interessante era que comparando com o vídeo, o marco parecia ter sido movido. Só não sabíamos para que e por quem?
Em relação ao marco propriamente dito, este possui um orifício na ponta,
tem em torno de 1,50 m, sendo 40 centímetros só na base. Em uma de suas
laterais encontram-se as inscrições “1942″, “S.G.H.E.” e “45”.
Certamente aquele era um marco histórico relacionado com alguma missão
militar realizada na década de 1940, provavelmente destinado a
utilização na heliografia, ou com a área de levantamento geográfico e
cartográfico do Serviço Geográfico do Exército.
Como na área de pesquisa histórica ninguém faz nada sozinho, busquei
ajuda de um historiador militar, possuidor de um enorme e sólido
conhecimento nesta área e que não nega ajuda a quem lhe busca
informações.
Ao responder nossa consulta ele acredita que provavelmente este marco
foi colocado há mais de 70 anos pelo Serviço Geográfico do Exército
(SGEx). Em sua opinião este material está ligada a missão de um grupo de
cartógrafos/topógrafos militares que realizou o levantamento de parte
do litoral nordestino (de Pernambuco ao Ceará, incluindo o arquipélago
de Fernando de Noronha), mediante a necessidade de operações de guerra
que iriam se desenvolver naquela região.
Para cumprir tal missão foi organizado, em meados de 1941, o
Destacamento Especial do Nordeste (DEN), chefiado pelo então Tenente
Coronel Djalma Polly Coelho, contando com um número superior a trinta
oficiais engenheiros e sargentos topógrafos.
O Serviço Geográfico mobilizou o curso de geodesia da Escola Técnica do
Exército (atualmente Instituto Militar de Engenharia, IME), convocando
seus oficiais e alunos, juntos com os da 1ª Divisão de Levantamento,
para inclusão no Destacamento, assim como seis primeiros-tenentes da
reserva e engenheiros civis possuidores do curso complementar da Escola
de Engenheiros Geógrafos Militares.
Entre estes levantamentos estava a da região onde seria construída a
Base Aérea de Natal. O fato do marco estar num ponto dominante serve
justamente para a realização deste tipo de trabalho com base no
movimento dos astros.
Possivelmente a equipe que colocou o marco veio de Recife. Ainda segundo
este nosso amigo historiador, é possível que na 3ª Divisão de
Levantamento, com sede na capital pernambucana, ainda existam as
coordenadas desse marco em algum documento antigo.
Protegidos Por Lei Federal…
Esses materiais são protegidos pelo DECRETO-LEI N° 243, DE 28 DE FEVEREIRO DE 1967, que fixa as diretrizes e bases da cartografia brasileira.
É interessante a leitura de um dos seus artigos:
CAPÍTULO VII
Dos Marcos, Pilares e Sinais Geodésicos
Art.
13 – Os marcos, pilares e sinais geodésicos são considerados obras
públicas, podendo ser desapropriadas, como de utilidade pública, nas
áreas adjacentes necessárias à sua proteção.
§
1º – Os marcos, pilares e sinais conterão obrigatoriamente a indicação
do órgão responsável pela sua implantação, seguida da advertência:
“Protegido por lei” (Código Penal e demais leis civis de proteção aos
bens do patrimônio público). .
§
2° – Qualquer nova edificação, obra ou arborização, que, a critério do
órgão cartográfico responsável, possa prejudicar a utilização de marco,
pilar ou sinal geodésico, só poderá ser autorizada após prévia audiência
desse órgão.
§
3° – Quando não efetivada a desapropriação, o proprietário da terra
será obrigatoriamente notificado, pelo órgão responsável, da
materialização e sinalização do ponto geodésico, das obrigações que a
lei estabelece para sua preservação e das restrições necessárias a
assegurar sua utilização.
§ 4° – A notificação será averbada gratuitamente, no Registro de Imóveis competente, por iniciativa do órgão responsável.
Art.
14 – Os operadores de campo dos órgãos públicos e das empresas
oficialmente autorizadas, quando no exercício de suas funções técnicas,
atendidas as restrições atinentes ao direito de propriedade e a
segurança nacional, têm livre acesso às propriedades públicas e
particulares.
Ou seja, este tipo de material é protegido por LEI FEDERAL e isso implica em problemas com o Ministério Público Federal, através da Procuradoria da República no Rio Grande do Norte.
Bem, o objeto no alto do Morro do Navio aparenta ter sido um dos marcos
iniciais de construção de uma das maiores bases aéreas fora dos Estados
Unidos em toda a Segunda Guerra Mundial e a importância de Natal e
Parnamirim Field foi tremenda para a vitória Aliada, onde seus símbolos
deveriam ser motivo de preservação e proteção do Estado, ao abrigo da
ação de pessoas despreparadas.
Na busca de maiores informações busquei um contato pela manhã sobre este
objeto com o amigo Edgard Ramalho Dantas. Este é geólogo, professor
aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, membro do
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, me comentou que
a importância histórica da Base de Parnamirim não está apenas em saber
detalhes de esquadrões, pilotos e aviões, mas está também nos marcos de
fundação e de desenvolvimento da referida obra.
Diante de toda esta situação, na condição de cidadãos preocupados com a
questão, o autor deste artigo e o jornalista Luiz Gonzaga Cortez
decidiram procurar o jornal Tribuna Do Norte, que acolheu a nossa
informação e publicou a seguinte matéria.
“Morro do Navio é alvo de degradação ambiental”
Publicação: 10 de Abril de 2013 às 00:00
Localizado
na Área de Proteção Ambiental (APA) Bonfim-Guaraíra, o Morro do Navio,
também conhecido como Morro Vermelho, nas dunas pertencentes ao
município de Nísia Floresta, passa por um processo de degradação por
bugueiros e praticantes de rally. O gestor da APA Bonfim-Guaraíra do
Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do RN (Idema),
Fábio de Vasconcelos Silva, confirmou que recebeu denúncia da situação
na semana passada. Apesar de informar que a prática na área é proibida, o
gestor da APA admitiu que não há um Plano de Manejo para a região.
Fábio
de Vasconcelos Silva informou que o Conselho Gestor da APA
Bonfim-Guaraíra vai se reunir no dia 16 de abril, às 9h, no auditório do
Ecoposto da APA, em Nísia Floresta, para tratar do Plano de Manejo. De
maneira provisória, vamos identificar quais locais onde as trilhas
podem ser feitas de maneira a minimizar ao máximo os impactos na área.
Há locais que são mais sensíveis que outros, explicou.
A
APA Bonfim-Guaraíra não possui um estudo que permita definir o
Zoneamento Ecológico e Econômico, que regulamenta as áreas que podem ser
utilizadas de maneira a minimizar os impactos no local. Por esse
motivo, segundo Fábio de Vasconcelos Silva, qualquer atividade deve ser
comunicada ao Idema e autorizada pelo órgão e pelo Conselho Gestor da
APA.
As
pessoas estão fazendo ralis de forma clandestina. Durante o
monitoramento, me deparei com uma empresa de turismo que faz passeios de
quadriciclos. Esses passeios são ilegais, afirmou. Os organizadores de
passeios turísticos e os praticantes de rally que forem surpreendidos
pela Polícia Ambiental no local estarão sujeitos a sanções penais. Quem
estiver fazendo passeios no local terá o carro apreendido, disse o
gestor da APA.
A
situação de degradação da Área de Proteção Ambiental também se confirma
no relato de pesquisadores que foram ao local para identificar um marco
de concreto que teria importância histórica. Ao averiguarem o objeto,
que poderia ter servido de alicerce para a utilização de um equipamento
militar do Exército Brasileiro durante a Segunda Guerra Mundial, o
jornalista e membro do Instituto Histórico e Geográfico do RN (IHG-RN)
Luiz Gonzaga Cortez, e o pesquisador e escritor Rostand Medeiros
verificaram diversas marcas de pneus no Morro do Navio.
Morro pode ter marco histórico da II Guerra
A possibilidade de que o Morro do Navio seja um ponto que conserva a
história do Rio Grande do Norte durante a Segunda Guerra Mundial reforça
a importância da preservação da Área de Proteção Ambiental (APA)
Bonfim-Guaraíra.
O
marco tem 1,55 metros de altura e 47 centímetros de largura. Nele está
gravado o número 1942, que segundo os pesquisadores Rostand Medeiros e
Luiz Gonzaga Cortez poderia representar a data de instalação do
equipamento. Também há no objeto a sigla SGHE.
De
acordo com Rostand Medeiros, é possível que o marco tenha sido
instalado por um grupo de cartógrafos e topógrafos que estariam fazendo o
levantamento da região, provavelmente para a construção da Base de
Natal (Parnamirim Field). O fato do marco estar num ponto dominante pode
ter servido para este tipo de levantamento com base no movimento dos
astros, explicou.
Outra
possibilidade ventilada pelos pesquisadores é que o marco tenha servido
de alicerce para a utilização de um heliógrafo, equipamento militar que
pertenceria ao Exército Brasileiro, de uso manual, para fins de
orientação e comunicação.
Acreditamos
que esse marco também poderia ter servido de base para esse aparelho,
que teria a função de enviar sinais com a luz do sol por código morse,
evitando assim a interceptação das mensagens, disse Rostand Medeiros.
Conclusão
Mas enfim, vale a pena tanto papel, tanta digitação por um pedaço velho de concreto e que está largado no alto de uma duna?
Com certeza, pois é um marco de nossa história.
Qualquer museu que trabalhe a memória de forma séria, gostaria de ter
uma peça original que ajudou na construção de uma das maiores bases
Aliadas fora dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial.
Mas qualquer museu sério, ou qualquer entidade que trabalhe com o tema
da memória de forma séria em terras potiguares, deve seguir todos os
trâmites legais para possuir este material. O desejo de preservação da
memória não deve jamais se sobrepor a ideia de realizar as ações de
maneira correta.
Certamente na questão relativa a este marco, em minha opinião ele deve ir para um museu.
Mas com a devida anuência de pessoas ligadas ao Exército Brasileiro, o
Ministério Público Federal e Estadual, certamente o IDEMA e IBAMA. Não
podemos esquecer da participação dos agentes do meio turístico, além das
entidades de preservação da memória como o Instituto Histórico
Geográfico do Rio Grande do Norte e as entidades de preservação da
memória na cidade de Nísia Floresta, onde territorialmente o marco foi
fincado a mais de setenta anos.
A união destes atores deve dar um destino correto a esta peça histórica.
P.S.
– Quero agradecer a Flávio Gameleira, Keber Kennedy e Március Vinícius
pela divulgação deste material, pois sem isso não saberíamos da
existência deste marco histórico. Logicamente estendo estes
agradecimentos a Luiz Gonzaga Cortez, ao seu filho e ao seu neto, por
terem me convidado para visitar o local.
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Fonte: Tok de História, de Rostand Medeiros
Fonte: Tok de História, de Rostand Medeiros
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