JOÃO BRABO
Por: Ivan
Pinheiro
Visitando
a comunidade de Banguê, no dia 03 de
fevereiro de 2011, estivemos com Dona Zélia Nogueira – professora do lugar.
Através dela tomamos conhecimento de que o maior contador das histórias da
localidade, Seu João Brabo, não se
encontrava na comunidade. Estaria com uma filha lá nos Beneditos – aglomerado do lado oposto onde estávamos. Tínhamos que
retornar contornando grande parte da lagoa do Piató. Não perdemos tempo, após
as entrevistas visitamos o casarão do velho capitão Zumba Marreiro, a capela e as
ruínas da casa de Dom Alexandre (Padre Xanduzinho). Fotografamos tudo o que
achamos interessante, inclusive, os tradicionais pavões que, faceiramente,
“desfilavam” no pátio e pelos escombros dos casarões. Partimos em busca do “Brabo”.
Antônio, Chico Benedito, João Brabo e Ivan Pinheiro - Comunidade João Franco - 2011 |
Ao
chegarmos aos Beneditos, comunidade
também conhecida como "João Franco",
fomos orientados pelo “pajé dos Beneditos” Chico
Benedito a deslocarmos até a casa de seu irmão Antônio onde João Brabo estaria.
Fomos
recepcionados por dois cachorros vira-latas, latindo insistentemente. Antônio, o dono da casa, deitado numa
rede armada sob o alpendre, despertando de um cochilo, olhou com soslaio e ordenou:
- Pode se achegar. Esses aí não mordem
ninguém. Só se eu mandar!
Após
os cumprimentos e identificações perguntamos por Seu João Brabo. Queríamos conversar um pouco sobre Banguê. Demoraram alguns minutos, ele estava
no banheiro. De bengala em punho, com dificuldades, chegou ao alpendre e nos
cumprimentou. Mostrou-se muito envaidecido com a nossa presença e, sobretudo,
porque em outras épocas tinha estado comigo na Prefeitura por diversas vezes, para
reivindicar “coisas” para a comunidade.
-
Ivan depois que fiquei cego só lhe escuto no rádio dizendo aquelas lorotas.
Tudo aquilo é verdade? (risos).
João Luiz de Melo – João Brabo é filho de Luiz Francisco de Melo (Luiz Brabo) e
Juvina Maximina de Melo. Nasceu na margem da Lagoa do Piató. Há setenta e
tantos anos reside em
Banguê. No entanto, depois que ficou viúvo e cego perdeu o
amor pelo lugar.
Já sentado ao
lado da rede de Antônio, numa cadeira
de balanço, de ferro com fitilhos plásticos, lembra-se de muitos companheiros de
outrora lá de Banguê: Emídio (Garapa), João Vieira, Chico Velho, Manoel
Nogueira, Chico Fernandes (Fifi), Nezinho Sariema, João Nogueira, o capitão
Zumba Marreiro, Padre Xandu, e outros. – No
momento a memória não ajuda... Também, já tô comendo noventa anos... Sou
“Brabo”! Complementa em tom de
brincadeira.
Aproveitando
o ensejo perguntei sobre a origem do seu nome. Se o “Brabo” era porque ele era
bravo mesmo... Cabra da peste. Seu João desatou uma gargalhada gostosa. Quando
parou dirigiu seu olhar infinitamente em trevas para o genro que estava sentado
na rede ao lado e contou que nos anos sessenta foi com uma turma assistir a
missão de Frei Damião em
Ipanguaçu. Antes da novena “conheceram alguns amigos”, uns
dezoito. Ele foi convidado para conhecer melhor a cidade. Saíram e logo que
chegaram a um local um pouco afastado da Igreja, um deles gritou:
-Vamos
ver se você é brabo mesmo, cabra bom de peia... A briga começou. Quando eu pensava em dar um bofete levava cinco, seis...
Se não fossem as pernas e a cabeça, eu tinha morrido... (Pausa. Levanta a
cabeça para forçar a memória) – Sempre
fui bom nessas duas coisas. Numa das
rasteiras encontrei um tijolo e sapequei nos peito de um deles. O cabra caiu
ciscando feito bode. Quando os outros viram o amigo estrebuchando, correram. Eu
também corri. Todo cheio de sangue fiquei no caminho em cima de uma árvore esperando
o carro. Quando os romeiros me encontraram ficaram apavorados com tanto sangue.
Vim para o Assu. Não sei o resultado do rapaz.
O
genro, se ajeitando na rede, ao lado, resmunga em tom desafiador:
- Ora
num sabe! Lascou os peito em banda....!
Indaguei onde ele tinha aprendido a
jogar capoeira e dar cabeçadas. Prontamente me respondeu: - Em
Mossoró. Mas usei
pouquinho. Só quando foi preciso me defender de algum “bicho”.
Sobre
sua família João Brabo foi taxativo: -
Meu pai se encantava ou voava. Ele estava aqui, quando a gente baixava a vista e
levantava ele já estava a mais de cem metros de distância. Era muito estranho!
Quase num falava... (pausa) – Minha
bisavó foi pegada a casco de cavalo e a dente de cachorro. (explicando a
origem indígena da família).
João
Brabo nunca sentou num banco de escola. Aprendeu a ler e escrever, um
pouquinho, aos “troncos e barrancos”. Finalidade maior, votar.
Banguê sem a presença de João Brabo perde a sua originalidade. Ele está agregado à comunidade como a lagoa; o sobrado do Capitão Zumba Marreiro; a Igreja de Xandu; a escolinha, construída com uma sala de aula e dependências para moradia do professor (gestão do prefeito Edgard Montenegro); os pavões... Talvez seja a comunidade mais charmosa do anel da Lagoa do Piató. Pena que o tempo está devorando seu patrimônio arquitetônico, histórico, paisagístico e, como é natural, seu rico cenário humano.
Banguê sem a presença de João Brabo perde a sua originalidade. Ele está agregado à comunidade como a lagoa; o sobrado do Capitão Zumba Marreiro; a Igreja de Xandu; a escolinha, construída com uma sala de aula e dependências para moradia do professor (gestão do prefeito Edgard Montenegro); os pavões... Talvez seja a comunidade mais charmosa do anel da Lagoa do Piató. Pena que o tempo está devorando seu patrimônio arquitetônico, histórico, paisagístico e, como é natural, seu rico cenário humano.
As
instituições defensoras dos remanescentes indígenas e quilombolas, entre elas
UFRN, FUNASA e FUNAI vêm batalhando, há anos, para que os moradores de Banguê
reconheçam suas origens como remanescentes indígenas da tribo Janduís. No
entanto, há resistências devido aos preconceitos. Infelizmente.
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