terça-feira, 1 de janeiro de 2013

CENÁRIO HUMANO

JOÃO BRABO

Por: Ivan Pinheiro
         Visitando a comunidade de Banguê, no dia 03 de fevereiro de 2011, estivemos com Dona Zélia Nogueira – professora do lugar. Através dela tomamos conhecimento de que o maior contador das histórias da localidade, Seu João Brabo, não se encontrava na comunidade. Estaria com uma filha lá nos Beneditos – aglomerado do lado oposto onde estávamos. Tínhamos que retornar contornando grande parte da lagoa do Piató. Não perdemos tempo, após as entrevistas visitamos o casarão do velho capitão Zumba Marreiro, a capela e as ruínas da casa de Dom Alexandre (Padre Xanduzinho). Fotografamos tudo o que achamos interessante, inclusive, os tradicionais pavões que, faceiramente, “desfilavam” no pátio e pelos escombros dos casarões. Partimos em busca do “Brabo”.
Antônio, Chico Benedito, João Brabo e Ivan Pinheiro - Comunidade João Franco - 2011
         Ao chegarmos aos Beneditos, comunidade também conhecida como "João Franco", fomos orientados pelo “pajé dos Beneditos” Chico Benedito a deslocarmos até a casa de seu irmão Antônio onde João Brabo estaria.
         Fomos recepcionados por dois cachorros vira-latas, latindo insistentemente. Antônio, o dono da casa, deitado numa rede armada sob o alpendre, despertando de um cochilo, olhou com soslaio e ordenou: - Pode se achegar. Esses aí não mordem ninguém. Só se eu mandar!   
         Após os cumprimentos e identificações perguntamos por Seu João Brabo. Queríamos conversar um pouco sobre Banguê. Demoraram alguns minutos, ele estava no banheiro. De bengala em punho, com dificuldades, chegou ao alpendre e nos cumprimentou. Mostrou-se muito envaidecido com a nossa presença e, sobretudo, porque em outras épocas tinha estado comigo na Prefeitura por diversas vezes, para reivindicar “coisas” para a comunidade.
- Ivan depois que fiquei cego só lhe escuto no rádio dizendo aquelas lorotas. Tudo aquilo é verdade? (risos).
         João Luiz de Melo – João Brabo é filho de Luiz Francisco de Melo (Luiz Brabo) e Juvina Maximina de Melo. Nasceu na margem da Lagoa do Piató. Há setenta e tantos anos reside em Banguê. No entanto, depois que ficou viúvo e cego perdeu o amor pelo lugar.
Já sentado ao lado da rede de Antônio, numa cadeira de balanço, de ferro com fitilhos plásticos, lembra-se de muitos companheiros de outrora lá de Banguê: Emídio (Garapa), João Vieira, Chico Velho, Manoel Nogueira, Chico Fernandes (Fifi), Nezinho Sariema, João Nogueira, o capitão Zumba Marreiro, Padre Xandu, e outros. – No momento a memória não ajuda... Também, já tô comendo noventa anos... Sou “Brabo”!  Complementa em tom de brincadeira.  
         Aproveitando o ensejo perguntei sobre a origem do seu nome. Se o “Brabo” era porque ele era bravo mesmo... Cabra da peste. Seu João desatou uma gargalhada gostosa. Quando parou dirigiu seu olhar infinitamente em trevas para o genro que estava sentado na rede ao lado e contou que nos anos sessenta foi com uma turma assistir a missão de Frei Damião em Ipanguaçu. Antes da novena “conheceram alguns amigos”, uns dezoito. Ele foi convidado para conhecer melhor a cidade. Saíram e logo que chegaram a um local um pouco afastado da Igreja, um deles gritou:
­-Vamos ver se você é brabo mesmo, cabra bom de peia... A briga começou. Quando eu pensava em dar um bofete levava cinco, seis... Se não fossem as pernas e a cabeça, eu tinha morrido... (Pausa. Levanta a cabeça para forçar a memória) – Sempre fui bom nessas duas coisas. Numa das rasteiras encontrei um tijolo e sapequei nos peito de um deles. O cabra caiu ciscando feito bode. Quando os outros viram o amigo estrebuchando, correram. Eu também corri. Todo cheio de sangue fiquei no caminho em cima de uma árvore esperando o carro. Quando os romeiros me encontraram ficaram apavorados com tanto sangue. Vim para o Assu. Não sei o resultado do rapaz.
         O genro, se ajeitando na rede, ao lado, resmunga em tom desafiador:
- Ora num sabe! Lascou os peito em banda....!
         Indaguei onde ele tinha aprendido a jogar capoeira e dar cabeçadas. Prontamente me respondeu: - Em Mossoró. Mas usei pouquinho. Só quando foi preciso me defender de algum “bicho”.  
         Sobre sua família João Brabo foi taxativo: - Meu pai se encantava ou voava. Ele estava aqui, quando a gente baixava a vista e levantava ele já estava a mais de cem metros de distância. Era muito estranho! Quase num falava... (pausa) – Minha bisavó foi pegada a casco de cavalo e a dente de cachorro. (explicando a origem indígena da família). 
         João Brabo nunca sentou num banco de escola. Aprendeu a ler e escrever, um pouquinho, aos “troncos e barrancos”. Finalidade maior, votar. 
        Banguê sem a presença de João Brabo perde a sua originalidade. Ele está agregado à comunidade como a lagoa; o sobrado do Capitão Zumba Marreiro; a Igreja de Xandu; a escolinha, construída com uma sala de aula e dependências para moradia do professor (gestão do prefeito Edgard Montenegro); os pavões... Talvez seja a comunidade mais charmosa do anel da Lagoa do Piató. Pena que o tempo está devorando seu patrimônio arquitetônico, histórico, paisagístico e, como é natural, seu rico cenário humano.   
         As instituições defensoras dos remanescentes indígenas e quilombolas, entre elas UFRN, FUNASA e FUNAI vêm batalhando, há anos, para que os moradores de Banguê reconheçam suas origens como remanescentes indígenas da tribo Janduís. No entanto, há resistências devido aos preconceitos. Infelizmente.

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