O LOBISOMEM
Por: Celso da Silveira
Enquanto vou lendo o último livro de Raimundo Nonato da Silva, recomponho, mentalmente, palmo a palmo, o "beco de Donana" onde, dizem, costumava aparecer às sextas feiras, na força da lua, um lobisomem.
Entre os meninos da Rua das Flores corria a estória de que o lobisomem era um mendigo de longas barbas, ancião, sujo, que morava na rua dos Sete Pecados, lá para as bandas do Cemitério, e que havia feito trato com o diabo para enriquecer, dando uma gota de sangue de criança ao capiroto até que se cumprisse sua sina, que era andar feito bicho por sete adros de igreja e sete cemitérios, quando então voltaria à forma humana e ficaria rico.
Dizem que o lobisomem toda sexta-feira, depois das dezoito horas, espojava-se numa "cama" de jumento e virava a fera, de mãos compridas, unhas grandes, couro grosso, peludo e valente.
Só tinha uma parte vulnerável: o umbigo. Se atingido naquela região do corpo disforme, bamboleante, urrava e desencantava.
Não sei se esse lobisomem da Rua dos Sete Pecados foi desencantado, ou se cumpriu a sua sina. Posso garantir, porém, que a lenda de sua existência nos retinha em casa à noite, ouvindo Estórias de Trancoso contadas por Cinana, uma velha ama, mãe de Raimundinho, cujo cabelo pixaim meu irmão Emílio achava igualzinho a cocô de rolinha, mas que nós amávamos como a um irmão.
Noutras épocas circularam na cidade, notícias de que estava aparecendo uma "Negra Ensebada" nas ruas de cima. Era uma preta, diziam, que penetrava nas casas audaciosamente.
Algumas pessoas tentaram pegá-la, mas ao topá-la frente à frente, ela escapulia, escorregadia, como se estivesse untada de sebo. Daí o seu cognome de "Nega Ensebada".
Suas aparições eram sempre à noite, depois de nove horas.
Fonte: Salvados do Assu - Boágua Editora - Natal - 1996.
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