O diário pessoal de um escritor
Devemos
escrever para nós mesmos,
é assim
que poderemos chegar aos outros.
Eugéne Ionesco
Escrever
diários é uma tradição antiga. Os primeiros diários pessoais de que se tem
notícia eram chamados livros de cabeceira no Japão do século VIII. Na literatura universal temos vários exemplos
de diários famosos como os Diários de Franz Kafka que cobrem o período entre 1910 e 1924, ano em
que o escritor morreu de tuberculose aos
40 anos. Kafka revelou o intenso conflito psicológico que o afligiu, o
isolamento social, a saúde frágil e uma complexa relação familiar,
especialmente com seu pai, que nunca aprovou ou reconheceu a carreira literária
do filho.
O
Diário de Anne Frank talvez seja um dos mais famosos do mundo. Durante a
Segunda Guerra Mundial, a adolescente de 13 anos e sua família foram obrigadas
a se esconder da perseguição nazista em uma casa que ficou conhecida como Anexo
Secreto, e tudo registrou no seu diário.
Impossível
fazer qualquer lista de diários sem citar os da escritora Virginia Woolf. A
inglesa manteve-os desde 1915 até 1941, quando suicidou-se. Ter um diário,
acreditava, ajudava a melhorar sua escrita.
A Servidão Diária do
escritor Manoel Onofre Júnior é um diário com vários escritos, espécies de mini crônicas, de diferentes períodos,
dividido em duas partes, sendo que a mais antiga é de 1988-1991, e a segunda parte , mais numerosa, de 2013-
2014. O autor descreve não apenas acontecimentos
pessoais, mas assuntos diversos, como o próprio contexto histórico e literário
que presencia e faz questão de deixar registrado no espaço e no tempo; também, alguns
temas são abordados de maneira mais extensa, como, por exemplo, nas resenhas de
livros lidos pelo autor.
No
Rio Grande do Norte desconheço escritor que tenha se dedicado a esta vertente
literária tão rica em dados e informações, que, na grande maioria das vezes,
contém verdadeiras pérolas. Além de funcionar como uma espécie de “desabafo”
pessoal do escritor, existe uma transformação de sentimentos em palavras
escritas que faz com que o conteúdo tenha uma plurissignificação. Além do mais,
o leitor passa a conhecer a rotina e o dia a dia do escritor, com quem se identifica
em termos literários e admira, conhece um pouco do seu pensamento, da sua
ideologia, e até descobre como grandes eventos repercutiram em sua vida. Os diários
são uma ótima maneira de nos aproximarmos do nosso escritor preferido. Por essas
e outras informações, ler diários é além
de prazeroso, muito útil.
A Servidão Diária é mais
que um diário, é uma espécie de epístola de identidade. Porque é importante
para o autor escrever? Porque, para se contar qualquer coisa, tem de haver um
olhar e o olhar pertence a uma pessoa. Porque existe a necessidade de registrar
fatos que futuramente irão servir para estudantes e pesquisadores das mais
variadas áreas. Um diário é importante também para sabermos aonde vamos, no
decurso da narração; temos de saber de onde vimos, temos de conhecer as nossas
raízes, humanas e sociais, temos de partir dessas raízes para construirmos o
mundo da narrativa.
O
que se deve contar, na maior parte das vezes, está muito perto de nós e, para
ser contado, exige uma grande simplicidade, uma habilidade na arte de narrar.
Sentimo-nos
acompanhados se, no meio de tanta coisa perdida, repararmos que temos alguém
que fala de nós de uma forma tão leal e autêntica, tal como se nos víssemos ao
espelho. Há o reviver constante de momentos de prazer e outros tantos de
desgosto. E ainda mais interessante é verificar que, ao longo de muita escrita particular
com muitas quedas entre novas palavras descobertas e outras por descobrir,
aprendemos a seguir os nossos próprios caminhos e a escolher outros tantos
quando a dúvida surge.
A
Servidão Diária é um livro muito interessante de uma escrita agradável, bonita;
o autor prova que não é necessário ser difícil, prolixo, complexo e utilizar
palavras raras e de custosa interpretação. Podemos, a partir da prática da
simplicidade, penetrar , por meio da síntese, na essência da narração, e mesmo
assim ainda encontrar poesia em meio às palavras.
Transcrito do Blog 101 Livros do RN.
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