quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

CONTO

ACIDENTE UTÓPICO

- Traga cerveja aí como quem trás oró pra burro!... Estão olhando o quê? Eu tenho dinheiro! – Gritou Aléxis para as mulheres presentes na sala central do “Mina de Couro”.
Cena da Peça Cabaré das Donzelas Inocentes
“Mina de Couro” era o mais caro e requintado cabaré de Coruripe, no Estado de Alagoas. Aléxis era um comerciante. Vendia mangalhos e telhas industrializadas no pólo cerâmico do Assú. Naquele dia ele tinha ido entregar trinta mil telhas encomendadas pela cooperativa de Pindorama. A carga foi transportada em um caminhão Mercedes trucado.    
Tão logo recebeu o pagamento Aléxis quitou o frete do veículo e liberou-o. Retornaria à cidade do Assú, no Rio Grande do Norte, onde morava, de ônibus. Logicamente depois de umas boas farras.
Todo entusiasmado Aléxis jogou sobre a mesa um maço de notas de cinqüenta reais atadas com ligas. Quando a putada viu o dinheiro, a animação tomou conta do recinto. Ele rapidamente recolocou o pacote de cédulas em sua bolsa capanga.
- Meu filho, está estressado? Calma, fique tranqüilo... Nós resolveremos seu estresse. – falou uma garota passando o braço sobre o ombro de Aléxis.                   
- Sua cerveja, bem geladinha. – A garçonete puxou uma cadeira e o convidou a sentar-se. - Deseja mais alguma coisa?
 Aléxis estava radiante com o recinto e o atendimento. Observou quando a garçonete se afastava da mesa. Ela usava uma mini-saia de aproximadamente vinte centímetros. Cada passada que dava mostrava a pequenina calcinha vermelha de rendas.
 Em menos de três minutos a mesa estava composta por três belas jovens. Uma loira, uma morena e a outra ruiva. O “Mina de Couro” tinha mulher para todos os gostos e gastos.
- Podemos pedir umas doses de Campari, meu tesão? – perguntou alisando o peito de Aléxis, a loira.  
- Se pode? Eu vim aqui pra farrear. Quero beber e comer até dar uma coisa ruim.
A farra se estendeu até a noite. A cidade começava a repousar. Aléxis já estava em estado de putrefação alcoólica. Chamou a garçonete e apontando para a piscina ordenou.
- A partir de agora quero vocês desfilando nuas na beira da piscina. E a primeira será você.
Todas se entreolharam discordando da proposta. A garçonete tomou a palavra.
- Vamos fazer o seguinte: o senhor paga esta primeira despesa e a partir de agora nós iremos negociar as suas exigências. Aqui quem manda é o freguês.
- Fechado!... Traga a conta, feche as portas dessa espelunca e vamos fazer um bacanal... Cada mulher que desfilar pelada ganha “cin-qüen-ti-nha”. – Falou Aléxis retirando um maço de notas da capanga.
A realização de Aléxis foi plena quando a garçonete tirou a última peça, a calcinha vermelha de rendas, e a passou delicadamente sobre seu rosto. A loira que ele estava a namorar reclamou.
- Deixe de tolices mulher. Acabe com esse ciúme besta, você será a última a desfilar... Quero ver agora na passarela a vermeinha! – Disse Aléxis apontando o dedo indicador em direção à ruiva.
Quando ele acordou estranhou o recinto. O dia já tinha amanhecido. Olhou para o lado e viu a loira dormindo ao seu lado. Levantou rápido e foi até sua roupa pendurada num cabide no canto do quarto. Abriu a capanga. Restavam-lhe apenas quatro notas de cinqüenta reais. Rapidamente tomou banho, vestiu-se e foi saindo quando ouviu a voz da “companheira”.
- Já vai meu bem? Não se esqueça de deixar meus cem.
- Vá roubar outro abestalhado, rapariga imunda! – esbravejou Aléxis saindo do quarto apressado. Na rua tomou um táxi com destino a rodoviária.
O vento norte soprava com suavidade as últimas brisas da tarde. A força da luz solar já havia sido quebrada pelo crepúsculo da noite. Madalena sentada na calçada de sua casa, rodeada por cinco crianças, respirava aquele ar agradável. Seu pensamento era em Aléxis seu marido, havia três dias que tinha saído pelo “meio do mundo” negociando.
- Mamãe, lá vem papai! – Gritou uma das crianças.
Madalena olhou rapidamente para a rua sombria. O aspecto maltrapilho de Aléxis dificultou o reconhecimento à primeira vista. Ela levantou, correu ao encontro do esposo que chorava aos soluços.
- O que aconteceu homem de Deus? Você esta todo arranhado, sujo, esmolambado, o que houve?
- Madalena, a história é longa. Dê graças a Deus eu estar vivo. O carro que levava a telha virou... Sic... Escapei por pouco. Perdi tudo mulher!
Os meninos abraçaram o pai chorando, enquanto Madalena agradecia de mãos postas o retorno do esposo ao lar. Ela providenciou o banho, colocou mercúrio nos seus leves ferimentos e serviu o jantar.     
- “Como fui tão imbecil... Como pude arranhar-me com cacos de telhas para simular um acidente? Como gastei tanto dinheiro em vão? Como vou viver em paz com minha consciência e minha família? E o dinheiro para voltar a negociar?...” – Se perguntava Aléxis recolhido e encolhido em sua rede.   

Fonte: Livro Dez Contos & Cem Causos - Ivan Pinheiro

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