quinta-feira, 23 de junho de 2016

SINDICATO DO GARRANCHO:


Como matéria especial, a edição dominical da TRIBUNA DO NORTE, edição de 07 de maio de 2000, publicou reportagem de minha autoria, como colaborador.
 
Reside em Natal uma das testemunhas das ações de um movimento guerrilheiro de caráter comunista que ocorreu no Vale do Assú, no RN, entre os anos de 1935/36. A dona-de-casa Áurea Cortez de Lima, 82, tinha 16 anos quando viu o líder camponês Manoel Torquato de Araújo e dois companheiros, entrarem na casa grande da propriedade do seu pai, Manoel Cortez, conhecida por “Ingá”, na várzea do Assú.

A “guerrilha” foi resultado da luta reivindicatória dos trabalhadores das salinas e fazendas de Mossoró, Assú, Areia Branca e Macau. Os estudiosos apontam o então governador Rafael Fernandes, que reprimia violentamente os sindicatos e mandava surrar os líderes dos trabalhadores, como o causador da revolta armada.

O pai de dona Áurea tinha terras em Assú, Macau e Pendências (1), mas não era latifundiário. A razoável condição de vida do agricultor Manoel Cortez pode ter aguçado a cobiça do grupo que chegou armado à casa da fazenda do povoado Santa Luzia. Os camponeses queriam tomar as terras de Manoel Cortez, obrigando-o a devolver uma gleba de sua propriedade que esteve arrendada durante certo tempo a um dos aliados de Manoel Torquato, o chefe do bando criado pelo provisionado Miguel Moreira. (2)Torquato era protestante.

“Esse pessoal era conhecido como o “Sindicato de Mossoró” e veio para tomar as terras de papai. Lembro-me que chegaram lá em casa, pouco depois do meio-dia, Manoel Torquato, José Domingos e Joel Paulista armados de revólveres e peixeiras, todos à cavalo. Papai conhecia todos eles e disse que nós não ficássemos amedrontadas, pois já sabia do que queriam. Manoel Torquato era de Canto Grande, um lugarejo entre Assú e Macau, mas papai dizia que ele não era bandido. José Domingos, natural de Alto do Rodrigues, era um detento, Joel Paulista era o chefe do sindicato de Areia Branca. O José Domingos chegou lá dizendo que não mexessem com a gente porque devia favores à família dos “Targino” , como era conhecida a família de papai. Eles queriam tomar o sítio “Cobé”, em Assú, e Manoel Torquato, com aquela pose toda, disse para papai: “o senhor vai mandar o menino ficar na terra”.

Papai nem pestanejou, rebateu na hora que “eu já entreguei o caso ao juiz de Assú” e explicou que o ex-meeiro Raimundo Nonato, vulgo “Raimundo Fumeiro”, tinha passado vários anos explorando a terra sem pagar a renda. Diante da atitude de papai, eles foram embora e nunca mais voltaram, disse dona Áurea, residente na avenida Hermes da Fonseca, no bairro do Tirol, em Natal.

Apesar de não terem retornado para atazanar a família de dona Áurea, o grupo de rebeldes comunistas distribuiu panfletos, impressos com tinta vermelha, com pesadas críticas ao seu pai. Os boletins eram intitulados “O burguês Manoel Cortez” e foram distribuídos em todas as casas entre Canto Grande e Comboeiro, perto da cidade do Assú. (4)

“O povo dizia que eles eram comunistas, fizeram muita bagunça e quiseram tomar terras pela pressão. Papai não deu muita atenção a eles, apesar de saber que tinha cabras ruins no meio deles, como José Domingos, um verdadeiro cangaceiro que acabou morto em Caraúbas”, relembra dona Áurea.

Ela diz que os episódios ocorridos no Vale do Assú, entre 1934/36, provocaram mortes, mas não recorda os nomes das vítimas, além de Artur Felipe Montenegro, um filho de fazendeiro rico que foi abatido na embocadura do açude Canto Comprido, em Assú, em 2 de janeiro de 1936. Segundo Amaro Sena, em depoimento prestado de 2 de março de 1999, quem atirou em Artur Felipe foi Manoel Domingos, de Cobé, com um único tiro de rifle ou fuzil. “Foi um disparo certeiro...”. (3)

Em represália, a família de Artur Felipe matou o pai de Manoel Torquato, que não tinha nada a ver com a guerrilha. “O bando era comunista mesmo, não me lembro de suas reivindicações, não. Não havia latifúndio no vale. Por exemplo, a terra que o meeiro Raimundo queria era de 50 braças. Os homens de Manoel Torquato não tomaram terras, só dinheiro, porque a lei não estava do lado deles; naquele tempo, a lei, o juiz, era do lado do proprietário. Eu tinha um panfleto desses, mas emprestei a uma pesquisadora e não me foi devolvido”.

Depois da morte de Artur Felipe, a polícia investiu contra eles, forçando-os a recuar para perto de Mossoró. Manoel Torquato foi executado por um liderado, Manoel Feliciano.

Rebeldes foram condenados Derrotada a guerrilha, quase todos foram presos pela Polícia Militar do RN. Processados, todos foram condenados. Mas pelo decreto-lei 474, de 8 de junho de 1938, foram absolvidos Amâncio Leite, Raimundo Jovino de Oliveira, Manoel Veras Leite, Tertuliano Alves Primo, Vicente Florêncio da Mota, Francisco Agostinho Bezerra, Mestre Chaves ou Francisco Chaves dos Anjos e José Nicácio Sobrinho das acusações de envolvimento na guerrilha de Manoel Torquato e Miguel Moreira.

Em 29.06.1938, o juiz Raul Campelo Machado, por deficiência de prova, absolveu Benedito Saldanha, Cirelino Bezerra da Costa, José Lopes Bastos, Homero Agostinho, José Lins, José Perico, Belarmino Abel Ferreira, Pedro Mendonça, Francisco Bernadino, Francisco Chaves, João Reginaldo, Antonio Reginaldo, Francisco Paulino, Manoel Ferreira do Nascimento, Francisco Ferreira, Homero Couto, Antonio Falcão, Francisco Agostinho, José Cassiano, Gonçalo Izidro, Francisco Machado, Sandoval Oliveira Sales Lira, Ricardo Torquato, Antonio Pereira, Feliciano Alexandre, Marcelino Alexandre, Manoel Nunes da Silva, Honório Máximo, João Abre, Vicente Ferreira Gomes, Francisco Dobrinha, Chico João e Cassiano Preto.

O magistrado declarou extinta a ação penal contra Sebastião Caldeira, “por ter sido o mesmo, segundo se vê dos autos, morto em combate com elementos da força pública estadual do RGN”. Os denunciados foram defendidos pelos advogados Cícero Aranha e Maria da Glória Pinheiro Moss, que defenderam a tese de perseguições políticas.

O jornal católico “A Ordem” (Natal/RN, p.4, edição de 02.07.1938) ao publicar trecho do processo criminal diz que o bando era oriundo de Mossoró e responsável por “propaganda subversiva eficiente, que resultou na formação de um grupo de bandoleiros, chamados “os bandidos vermelhos” que, por motivos políticos, e incitados por Miguel Moreira, praticaram no Estado do RN, em 1935, assaltos, roubos, depredações, ferimentos”. O ex-tenente Moisés Costa Pereira e o sargento Amaro Potengi da Silva foram condenados a 3 anos.

Luta armada tinha caráter comunista. Não somente os documentos e cartas apreendidos nas casas dos dirigentes do Partido Comunista do Brasil-PCB, no Rio de Janeiro, em 1936 (Movimento Comunista de 1935 – Excertos da publicação “Arquivos da Delegacia Especial de Segurança Política e Social – Volume III – Polícia Civil do Distrito Federal – Rio” – 1938 – Natal – Imp. Oficial – 1938) atestam que a guerrilha do Vale do Assú era mesmo de caráter comunista.

A entrevista do ex-militante do PC mossoroense Francisco Guilherme (PCB na mira da história – Camaradas rebatem duras críticas do livro W. Waack, reportagem de Carlos Peixoto e Nilo Santos, TN, 28.11.1993, páginas 12 e 13) é elucidativa. Referindo-se à insurreição de novembro de 1935, disse Chico Guilherme: “Mossoró estava preparada para também instalar o Governo Revolucionário Popular a partir de apoios na Polícia Militar e no Exército (Tiro de Guerra), além da logística da guerrilha – cerca de 45 homens – do grupo conhecido como “Sindicato do Garrancho”, todos na clandestinidade, porque a polícia vivia prendendo e espancando e a única salvação deles era o partido chegar ao poder”.
A primeira referência em livros sobre a guerrilha comunista do Assú é de autoria de Edgard Barbosa, em “História de uma campanha”, Imprensa Oficial, Natal, 1936. Edgard Barbosa, que foi jornalista a serviço das forças conservadoras do Partido Popular, de José Augusto Bezerra de Medeiros, diz que o movimento era de caráter comunista, com ramificações em municípios vizinhos e que o “numeroso bando armado surgia mais do ambiente político e da confusão reinante do que do entusiasmo pelas doutrinas vermelhas, pois se constituía de homens rudes, analfabetos e dispostos a todas as modalidades do crime. Era o cangaceirismo acoitado à sombra de uma bandeira que encarnava um credo exótico. Em nome do tal credo, os malfeitores que puseram em cheque as forças policiais de Assú, Angicos, Santana do Matos e Macau”. Barbosa informa que os comunistas fizeram “uma verdadeira rebelião, que aliás constou do relatório de um representante brasileiro em uma das sessões da III Internacional, reunida em Moscou”.

Segundo Barbosa, o movimento foi debelado na interinidade do interventor José Lagreca, que enviou uma tropa de 60 homens sob o comando de Severino Campelo, que libertou o fazendeiro Jorge Barreto, sequestrado pelos guerrilheiros.
Segundo Manoel Rodrigues de Melo, os guerrilheiros contavam com forte adesão dos protestantes.

O historiador Raimundo Nonato da Silva, como os demais estudiosos do assunto, aponta influência comunista na rebelião desordenada no baixo Assú, “dirigido por enviados do sul do país que, militarmente, organizavam a resistência pós novembro de 1935. Houve uma morte no campo de batalha de um engenheiro, que tirou o ânimo dos revoltosos”.

O jornal “A República”, de 18.07.1936, p.2, informa que Sebastião Caldeira, armado e com um cinturão de dinamites, morreu após a explosão dos explosivos devido a um tiro recebido durante um tiroteio.

Notas

1 - O município de Pendências, em 1935, ainda não tinha sido criado.
2 - Miguel Moreira era membro do Partido Comunista.
3 - Segundo Amaro Sena, já falecido, Artur Felipe saiu de uma festa, embriagado e, juntamente com o cabo Bondade, foi provocar os insurretos que estavam acantonados perto do açude.
4 – A professora Brasília Ferreira confirmou, na época da publicação da reportagem, que o boletim que dona Áurea lhe emprestou foi extraviado.
5 – Mais detalhes ver: Pequena História do Integralismo no RN – Fundação José Augusto, Natal/RN, de Cortez, Luiz Gonzaga ; Trabalhadores, Sindicatos, Cidadania – Nordeste em tempos de Vargas, de Ferreira, Brasília Carlos, Cooperativa Cultura da UFRN; Várzea do Assú, de Melo, Manoel Rodrigues, Edição Cadernos, São Paulo-SP e Gilberto de Melo Freire.

www.dhnet.org.br Fernando Caldas FERNANDO CALDAS
 

Um comentário: