segunda-feira, 9 de novembro de 2015

ARTIGO:

DR. PEDRO AMORIM E A VALORIZAÇÃO DAS TERRAS AGRÍCOLAS DO VALE DO AÇU
Por: Rogério Cruz
(Dr. em Economia/UNICAMP e Professor da UFRN)
Em 1989, o Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e o Programa Nacional de Irrigação (PRONI), elaboraram uma pesquisa intitulada “A irrigação e a problemática fundiária do Nordeste”, sob a coordenação geral do professor José Graziano da Silva.
Este estudo propunha um tipo de entendimento dos impactos econômicos dos projetos públicos e privados da irrigação, em regiões selecionadas do semiárido nordestino. Ou ainda, preferencialmente, territórios onde houvesse a vigência da Política de Recursos Hídricos (PRH) do Governo Federal. No caso do Vale do Açu, entre 1979 e 1983, houve a construção da Barragem Armando Ribeiro Gonçalves (BARG); e, em seguida, deu-se a concretização do Perímetro Irrigado do Baixo Açu (PIBA) – que foi implantado em 1989 e sua conclusão se deu em 1994. Nessa pesquisa, afirmou-se, dentre outras coisas, que um dos impactos da PRH foi a constituição e posterior dinâmica de um Mercado de Terras Agrícolas (MTA), que teria surgido a partir da vigência daquela PRH (1979/1983).
A partir desse tipo de interpretação surgiu a seguinte questão de pesquisa: o MTA do Vale do Açu teria surgido de fato a partir da PRH? Ou, numa interpretação distinta, seu surgimento teria sido anterior à essa política governamental, quer dizer, diante da expansão do ciclo do algodão?
Após um longo caminho em busca de possíveis evidências sobre comércio de terras agrícolas, seja no estado do RN, seja no Vale do Açu em particular, chegamos à obra do Dr. Pedro Amorim -, ou ainda, Pedro Soares de Araújo Amorim, médico que foi deputado e prefeito de Assú. Ele escreveu um pequeno livro contendo um apanhado de características econômicas, sociais e políticas daquele município, observadas entre 1650 e 1928, e que foi intitulado “O Município de Assú”. Seu subtítulo era “Notícia até 1928”, e foi relançado pela editora do Sebo Vermelho, de Natal, em 2008, a partir da edição de original editada em 1929. Trata-se de uma obra descritiva e informativa, que serviu de base para dar início a uma interpretação sobre a constituição e desenvolvimento do Mercado de Terras Agrícolas (MTA), daquele Vale, tal como vai apresentado nas linhas a seguir.
Alguém perguntará: apenas uma informação basta para mudar aquele tipo de interpretação? Vamos assumir que sim, pois, segundo o professor Umberto Eco (1983, p. 73), na sua obra “Como se faz uma tese”, para essa nova interpretação, “... basta encontrar um único texto para resolver uma série de problemas”. E, pensamos aqui que o livro do Dr. Pedro Amorim foi essa luz para discutir a origem do comércio de terras, naquele território semiárido. Pois, na página 18, no item “Prosperidade do Município”, traz um registro de que houve uma valorização das terras agrícolas, sobretudo daquelas situadas nas áreas de várzea, ocorrida entre 1903 e 1928.
Daí deduz-se inicialmente que, o comércio de terras agrícolas é anterior à construção da BARG e do então PIBA. E, em seguida, que teria surgido diante da expansão do algodão e que se consolidado também com a extração e industrialização da cera de carnaúba. Estes, os fatores reais que foram os principais responsáveis pela constituição e desenvolvimento de um comércio de terras agrícolas, sobretudo desde o início do século XX, no Vale do Açu.
Historicamente, a institucionalidade dos negócios com terras agrícolas, no Brasil, data de 1850, tendo em vista a edição da Lei de Terras (LT). No estado do RN, a LT estadual foi editada em 1895. Logo, a realidade do RN e/ou do Vale do Açu, em sintonia com o que ocorria no contexto nacional, também instituiu a terra como um objeto de compra e de venda. Esta, a partir daí, passou a ser a forma de acesso e/ou controle sobre a terra. Quer dizer, a terra assumia a condição de uma mercadoria.
Em acréscimo, ainda, segundo dados obtidos junto aos Cartórios de Registro de Imóveis dos municípios de Assú e de São Rafael, a PRH dinamizou - ainda que por pouco tempo os negócios com terras agrícolas e desapropriou uma pequena extensão de terras, naquele primeiro município; e, em paralelo, no segundo município destruiu uma parte expressiva da base fundiária e do mercado ali existentes, tendo em vista a expressiva desapropriação que foi feita pelo Governo Federal.
Em resumo, constatou-se que o surgimento dos negócios com terras agrícolas, no Vale do Açu, antecede a intervenção governamental hídrica, levada a cabo pelo Governo Federal, do final dos anos 70 ao início dos anos 80 do século passado. Até porque, as terras já tinham uma valorização, desde o início do século XX. Inicialmente, fruto do desenvolvimento da economia do algodão; e, posteriormente, com a expansão da economia da cera de carnaúba. E, por fim, em curto espaço de tempo, com a fruticultura irrigada.
Na teoria econômica, Ricardo - um autor clássico da Economia Política inglesa do século XIX - já dizia que, o desenvolvimento do mercado de produtos agrícolas provoca a expansão do mercado de terras agrícolas. E, a retração daquele também tende a provocar a retração deste. E, tudo indica, foi o que se viu na economia fundiária do Vale do Açu, ou seja, a constituição e o desenvolvimento dos negócios com terras agrícolas esteve atrelado ao comportamento do mercado de produtos agrícolas.
Por fim, espera-se por novas contribuições, seja de perfil descritivo e factual, seja interpretativo e crítico, acerca da História Econômica Regional. Pois, com isso, se espera propiciar aos nossos netos, uma interpretação mais ampla e fiel sobre a constituição e o desenvolvimento de nossa economia e/ou de nossa sociedade.
Artigo publicado no Jornal O Mossoroense, Mossoró/RN, 05/11/2015, p. 5. 
Enviado pelo Mestre Joacir Rufino.
Foto: Dr. Pedro Amorim - acervo do blog Assu na Ponta da Língua.

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